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  • Foto do escritormelody erlea

celebrando sinead o'connor


em 1989 sinead o'connor se apresentou no grammy awards com um cropped preto e o pijaminha de seu filho pendurado na calça jeans. eu tinha 2 anos e só fui descobrir quem era sinead, ouvir as coisas que ela cantava e ler sobre todas as polêmicas ao seu redor muito tempo depois.


fiona apple tinha 11 e ficou instantaneamente inspirada - fioninha atribui à o'connor o aprendizado de ser inadulteradamente ela mesma - ser livre. tô pensando aqui e agora que aquele discurso dela no mtv music awards em 1997 deve ter existido, em grande parte, por causa dos posicionamentos de sinead.

mas eu juro que num artigo de uns dias atrás do washington post fiona descreve, mesmo, as roupas de sinead naquele show. um top preto, decote coração (lembram da madame x? o decote coração tem significado, ele ressoa, ele é sensual, convidativo e ao mesmo tempo proibitivo, severo), uma calça jeans de cintura baixa, aquela pele toda exposta, aquela mulher estonteante - e careca, com um alvo amarelo pintado na cabeça e a roupinha de seu filho na cintura. quantas mulheres uma única mulher pode conter em si? ontem mesmo falei da alanis e as muitas versões dela que existem, e a verdade é que o trunfo das grandes artistas mulheres, especialmente no mercado de música, é romper ideias de como uma cantora deve ser e mostrar a multitude de universos conflitantes que podem existir num corpo feminino.

alanis, sinead, fiona, mia - mulheres controversas, honestas e múltiplas. seres sexuais e seres profundamente perturbados, românticas porém friamente cínicas, ao mesmo tempo produto do sistema e atuante em seu desmonte.... porra, não é a toa que elas intimidam. tanta força em corpos que eram pra ser ornamentais e só. e uma escolha de roupa de palco pode conter todas essas informações, de uma vez só, codificadas naquelas peças. e o mais maravilhoso é que você tem que entender a linguagem pra conseguir ler, é quase um código secreto.


fiona, por exemplo, sabia ler o código da sinead. ao contrário da maioria das pessoas na época. é justo dizer que sinead estava muito à frente de seu tempo, aquela jovem de vinte-e-tantos anos lá no comecinho dos anos 90. ela estourou antes de alanis, antes de courtney, e tinha uma vibe muito diferente de popstars como a madonna, embora esta também fosse inadvertidamente honesta sobre os assuntos que lhe eram importantes e também causasse algum incômodo. mas madonna tinha o poder e o mistério do sexo suavizando seu discurso político, um poder que de certa forma neutralizava a maneira como pensava - tudo bem uma mulher ter opiniões formadas e independentes, desde que de alguma maneira ela esteja vendendo, também, seu corpo. e sinead, mesmo com barriga de fora, não tava comercializando nada além de sua música e seu posicionamento.


em 1991 o'connor recusou participar do grammy awards - e o grammy que ela ganhou, nunca foi buscar - e acusava a indústria da música a celebrar sucesso comercial e material ao invés de artistas que falam a verdade. em 1992, no saturday night live, tirou uma foto do papa do bolso - foto que ela guardava desde a morte de sua mãe, em 1985, esperando por uma chance de usá-la - e, sem ter avisado ninguém da produção do programa ou de sua equipe previamente, rasgou a foto ao vivo na tv. era um recado às contradições e hipocrisias da igreja católica, os crimes de pedofilia e seu papel em criar uma cultura de violência familiar e moralismo (a própria sinead relata ter sofrido violência física frequentemente nas mãos de sua mãe).

os efeitos dessa ação foram devastadores para sua vida profissional e pessoal. personalidades da tv e música - todos homens - disseram publicamente que gostariam de castigá-la com palmadas. e 10 dias depois da controversa aparição no SNL, sinead subia ao palco do madison square garden prum show tributo ao bob dylan. ela foi vaiada pelo público e comenta que foi um dos sons mais horrorosos que já ouviu. a cantora quase vomitou ali mesmo em cima do palco, e teria desistido de se apresentar não fosse o cantor kris kristofferson, que subiu ao palco, a abraçou e, dizem, a encorajou, dizendo "não deixe que os babacas te ponham pra baixo". ela cantou, mas durante o resto da vida teve fortíssimos episódios de depressão e até hoje sente a repercussão daquele pequeno gesto em 92.

desde o ano passado sinead está de volta aos palcos - o dinheiro de sua fama (provinda especialmente de sua versão de nothing compares 2u) durou 30 anos e tá acabando, e ela decidiu voltar a trabalhar. ela tem hipnotizado a audiência dos lugares em que se apresenta, e parece ter a mesma força vocal e emocional que conhecemos lá no fim dos anos 80.


que sinead retorne, com disco, com turnê mundial, com grandes especiais e entrevistas. essa mulher que tem falado a verdade há tanto tempo e lidado, ali sozinha, fora do olhar público e em silêncio, com as consequências de ser honesta - é hora de celebrá-la.

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