melody erlea
como se vestir para um date com um vampiro

talvez eu esteja só levemente obcecada (mais uma vez) pela saga de buffy, a caça vampiros, e o buffyverse por completo - ainda mais depois de ter finalmente assistido ao filme e ter tido (poucas) respostas sobre como é que buffy foi parar nessa relação de amor e ódio com os dentuços estilosos. adicione-se à receita o fato de eu estar reassistindo arquivo x do começo com o crush, o que dá toda uma nova perspectiva ao fantástico e paranormal e só nutre as minhas saudáveis fixações com o mundo da fantasia e minha razoável vontade de escapar da vida real através de produtos audiovisuais e livros.
mas aconteceu: eu tive um date com um vampiro.
eu não sabia que ele era um vampiro, a princípio. nos encontramos pelos caminhos aleatórios da internet. vi uma foto, mandei uma mensagem. vocês tem que me entender: talvez tudo isso seja fruto de uma paranóia resultante das semanas de isolamento social, mas a quarentena faz isso com a gente. faz a gente estabelecer conexões profundas e inomináveis com fotos numa tela de celular.
eu tinha acabado de reformar um vestidinho, que virou um conjuntinho de saia e cropped, e estava chorosa pelos cantos pois sabe-se lá quando eu teria a oportunidade de usar minhas novas peças de roupa, tão lindinhas.
a sorte é que vampiros, porque já estão, assim, de leve, mortos, não contraem nem transmitem corona vírus (ou vírus nenhum, já que estamos nessa; a coisa mais saudável e segura que você pode fazer com seu corpo é sair com um vampiro).

vou mentir não, foi ótimo ter uma oportunidade de vestir uma roupinha e dar um rolê. eu não pestanejei: montei um visu fofo, relax, de quem não queria parecer ter se esforçado demais. mantive uma vibe quarentena mesmo, com um cardigan comprido confortável bem com cara de ficar-em-casa-com-estilo, minha minissaia nova e uma regatinha de algodão soltinha. mini do charlie brown nasceu pra estar no mundão, ela não pode ficar trancada dentro de casa desse jeito.
meu visu tava fofo porém descolado, uma primeira impressão que eu gosto de passar. nos encontramos num fim de tarde de uma cidade vazia. dirigi até a av. paulista como se tivesse nos créditos iniciais de um filme. fazia tanto tempo que eu não via a cidade, pareceu meio surreal. um pouco nostálgico também. pensei no passado recente, há pouco mais de um mês, quando a noite dessa cidade fervia, quando íamos a festas e beijávamos desconhecidos, de quando andávamos pelas ruas, braços dados, risos bêbados, esbarrando na embriaguez dos outros pelas calçadas.
a sensação foi tão louca que senti na pele as lembranças de uma época da faculdade, em que todo fim de semana eu buscava minha amiga pra gente ir pra balada da vez. temakis na madrugada, as ruas do jardins e um carro que havia sido do meu avô. como é que uma quarentena em 2020 me faz pensar em noites jovens de 2008? não sei direito.
nos abraçamos, e ele me segurou pelo pulso com a força de um universo inteiro. o date mal tinha começado e eu já tava mudada. naquele toque eu já experienciei décadas, séculos de memórias da humanidade, e já me senti fatal demais pro visual fofo de desenho animado e suéter comfy. não teve problema: quando você tá num date com um vampiro, sua imagem acaba, de um jeito ou de outro, arranjando um jeito de expressar seu novo eu. já viu vampiro que não exala exatamente quem é só pelo jeito que ele se veste? taí uma descoberta: quando a gente vira vampiro também vira, imediatamente, estiloso.

voltei pra casa atordoada e completamente à vontade no meu novo eu. não teve snoopy que sobrevivesse à experiência não teve fofura que permanecesse. só sobrou minha humanidade, com a qual pude retornar mas que, poxa, agora não parece estar mais cabendo em mim direito. mortal e normal. nem combina com minha nova estética. de qualquer jeito, tô bem vendo que esse vampiro é desses caras que não dá mais notícia depois do date, não que eu tivesse esperando nada, longe de mim, romantizar uma eternidade juntos, um amor fantástico e lendário de dois seres da noite vivendo seus melhores dias nas ruas de uma cidade vazia e tomada pelo pânico de um vírus que nunca vai ter acesso a nós.
não, não, longe de mim. vou por minha saia do snoopy de novo.

[obviamente eu não saí com um vampiro (#chateada), o texto é uma metáfora pro meu encontro com esse blazer vintage valentino que achei à venda no instagram da fabi pranaitis e fui buscar ontem. o date é fictício, mas eu tô, mesmo, mudada pelo toque desse valentino. juro. esse casaco tem o poder de todos os vampiros da terra. o visu inicial foi o que usei pra ir buscar o casaco, que vesti imediatamente - formando o segundo visu - e o terceiro é minha transformação vampiresca e o luquinho que eu queria usar pelas noites paulistas]