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  • Foto do escritormelody erlea

cortem-lhe as cabeças: a tendência rainha de copas

tem uma coisa martelando na minha cabeça há dias, essa imagem que volta e meia aparece no meu cérebro e eu tô aqui coçando as mãos evitando postar porque se tem algo que eu aprendi na marra nos últimos tempos é que a nova internet só funciona na base da novidade. mas venhamos e convenhamos, não tá rolando assim a maior quantidade de 9dades que valham a pena e eu me apego aos fantasmas das notícias passadas como ninguém.


a real é que nas últimas duas semanas a quarentena pegou pegando aqui na minha cabeça: já esqueci 3 vezes de dar aula particular e tenho vontade de vomitar cada vez que abro o instagram. me refugiei na internet oldschool: do meu computador acesso os antiquados ~websites~ e passeio pelo pinterest procurando inspiração em looks das gêmeas olsen como nos bons e idos tempos de fotolog. salvei fotos de olivia palermo passeando seu cão com um lenço hermes cobrindo seu nariz e boca, numa nova pasta que nomeei "quarentena". senti frio e aí passei umas boas hora procurando looks diferentes com trench coat, e, voila, mais uma pasta no pinterest. passei incontáveis minutos window-shopping o enjoei e estou angustiada com a dúvida: em quais dos meus yeahyeahzados gastar os 143 reais que juntei no enjubank?


passeio por brechós de instagram que estão cada vez mais caros e surreais, uma alucinação de uma estética manic pixie dream girl que eu achei que tinha morrido uns 10 anos atrás. os posts de look do dia no instagram me parecem uma tentativa desesperada de se apegar a algo que, nesse momento, a gente devia estar tentando substituir por outra coisa. não sei o quê. meu computador quebrou. meu celular quebrou, me livrando temporariamente da maldição do instagram, do qual desapeguei sem muita dor. passei os últimos dois meses alternando semanas de alienação e notícia nenhuma pontuadas com um momento de desespero que se tornam horas a fio lendo todas as notícias que encontro sobre doença.


e em meio a tudo isso, essa mesma imagem segue reaparecendo nos meus pensamentos. e eu cogito postar por aqui e desisto. agora é tarde demais pra puxar esse fio da meada, penso.

mas num mundo que já perdeu completamente o fio da meada mesmo, que diferença faz eu decidir falar, em plena pandemia, sobre o jared leto no baile do met gala carregando a própria cabeça? pra quem, como eu, tá esquecendo compromisso profissional a torto e a direito, que imagem mais representativa do que a de se sentir carregando a própria cabeça pra todos os lados porque sozinha, mermão, essa cabeça não tá conseguindo nem existir, quiçá ir pros lugares.


a real é que ano passado, quando a notícia era nova, essa cabeça já tava me incomodando. na festa mais fashionista do mundo, cheia de gente vestida de sócio do willy wonka, eu vi aquela cabeça e pensei "epa". o cara entrou segurando uma cabeça e eu não achei assim aquela coisa. não me parecia a coisa mais extraordinária.


eu só saquei as razões da minha reação ao look do jared leto essa semana, quando meus colegas de turma de um curso sobre traje de performance começaram a conversar sobre camp, a exposição do ano passado e os looks do baile.


ah lá, o jared leto de novo com sua cabeça, pensei eu quando vi a foto. ê laiá, isso é tão kanye west em 2010 plagiando dr. dog em 2008 OPA PÉRA que que foi esse pensamento que finalmente se desvencilhou? é curioso porque esses dias mesmo eu decidi, em mais um dos meus momentos altos da quarentena, fazer uma playlist no spotify dedicada às minhas preferidas de kanye. o kanye tem estado nos meus pensamentos, e é óbvio que quando jared leto e kanye west finalmente se aproximaram, a coisa se clareou na minha mente.

kanye west - monster, 2010

e aí eu finalmente entendi que a cabeça do jared leto me incomodava porque eu já tinha visto isso antes, e antes disso eu também já tinha visto. mas depois eu parei e dei um passo pra trás, porque preciso lembrar que nem sempre a originalidade está onde eu penso que ela está. a bem da verdade, e uma coisa que pouca gente vai dizer: nem sempre a originalidade sequer importa.

dr. dog - the ark, 2008

jared leto vestia gucci no baile do met do ano passado, e a gucci tinha soltado suas modelos na passarela da coleção outono/inverno 2018 também carregando suas próprias cabeças. no desfile da grife, além das modelos segurando as cabeças, haviam as que tinham um - tremendamente realístico - terceiro olho, as que tinham olhos nas mãos, as que tinham chifres e as que carregavam os mais diversos animais - cobras, camaleões, até um pequeno dragão filhote. um monte de acenos a várias mitologias, lendas urbanas e histórias de tradição oral - mas a cabeça decepada nos braços das modelos foi todo um fuzuê. no vídeo abaixo dá pra ver um pouquinho do processo de fazer essas cabeças, bichos e partes do corpos em lugares peculiares:

mas se a gente continuar andando pra trás nessa maravilhosa linha do tempo, vamos acabar tropeçando numa pérola pop escondida sob os olhos da censura: o clipe de monster, do kanye west, de 2010. mal esse clipe vazou - não terminado, antes do lançamento oficial - ele já tinha sido banido de todos os lugares do mundo. não sei nem dizer se o clipe foi lançado oficialmente - eu, pelo menos, não lembro do acontecido, embora a canção tenha sido um estrondoso sucesso.


monster é, antes de um clipe polêmico, uma das maiores colaborações do hip hop. kanye west, jay z, rick ross e nicki minaj em algumas de suas maiores composições, alguns dos maiores versos do pop recente. a lenda diz que nicki minaj mandou tão bem, mas tão bem que kanye west perigou cortar ela da música - imagina, essa mina novata botando os macho alfa no chinelo. teria sido um grande erro: o verso da nicki está entre os mais aclamados do rap e eleva a música a um nível gigantesco.


a canção fala de monstros de diversos tipos, e o clipe, saído da cabeça perturbada e maravilhosa de kanye, é um filme de terror fashion. foi acusado de ser racista, machista, mas independente dos possíveis questionamentos morais, o clipe é visualmente estonteante. avança pra 3min30seg e olha quem tava lá, segurando cabeças decepadas em 2010, 8 anos antes da gucci?

e afora todas as polêmicas sobre as escolhas questionáveis do cantor nesse clipe, a que eu mais amo é a mais curiosa, a mais underground, e acabou passando batido a não ser por um ou outro site de notícias de música indie, tão obscuros quanto a história em si - e, portanto, de pouca ajuda pra trazer ao grande público essa anedota de admiração, roubo e traição.


a história de como kanye west plagiou uma banda indie da filadélfia.

pra entender essa história, primeiro temos que lembrar que, como muitos de nós produtores de conteúdo, kanye sempre gostou da internet pra se expressar. gente como a gente, kanye tinha um blog no qual ele postava sobre basicamente qualquer coisa: era um mapa da mente do cantor. tinha imagens que o inspiravam, fotos de desfiles de moda, stills de filmes, pequenos textos que ele escrevia normalmente num fluxo de consciência durante o qual ele ficava cada vez mais puto e de repente passava a digitar tudo em capslock - normalmente esses posts eram sobre paparazzis, coisas que ele falava que eram distorcidas pelos jornalistas, atitudes que ele considerava desrespeitosas e toda uma sorte de coisas que o deixava muito muito irritado.


esse blog chamava KANYE UNIVERSE CITY e era uma pérola numa fase da internet que jamais voltará a existir. pra nossa sorte, tem muita coisa salva nos web archives, mas há coisas que ele já tinha deletado muito antes de ter a chance de ser recuperadas. aquele blog era um moodboard constante do kanye, e por lá dá pra ver o início de muitas coisas que o kanye faria no futuro.


inclusive o clipe de monster.


ó que louco: em 2008, kanye postou em seu blog as seguintes fotos, num post cujo título era BEAUTIFUL.

essas imagens são stills do clipe da música the ark, da banda dr. dog. a banda - a tal da banda indie da filadélfia que eu comentei antes - tinha lançado seu mas novo disco em 2008 e the ark era uma das músicas de trabalho.


pega o vocalista e baixista, toby leaman, tendo sua cabeça decepada sendo levada pra lá e pra cá por um corpo meio zumbi.

quando o clipe de monster foi lançado - incluindo, além de outras cenas semelhantes às imagens do clipe do dr. dog, o próprio cantor carregando uma cabeça - o post em seu blog já havia sido deletado. uma tentativa de parecer 100% original? uma filadapótági descarada? não sei.

mas a real é que a imagem da cabeça decepada sendo carregada não surgiu com dr. dog. a própria gucci, em seu desfile de 2018, dizia ter usado como referência os cefalóforos: santos católicos que são representados carregando suas próprias cabeças. mas se você prestar atenção, vai reparar que todos esses santos não tem cabeças no lugar onde elas deveriam estar. as modelos da gucci e o jared leto tinham suas cabeças normais e uma cabeça extra idêntica à original.

parecia mais que eles tava carregando uma bolsa que tinha o formato da cabeça deles. faria mais sentido prático também: se é pra ter um acessório a tiracolo a noite toda, que ele sirva pralguma coisa.


nesse sentido, michèle lamy, esposa de rick owens, fez depois mas fez melhor: no começo do ano ela apareceu no desfile de seu marido, em paris, com uma bolsa que era uma réplica da cabeça dele. pohannnn gosto, usaria (não a cabeça do rick owens, no caso, mas imagina uma bolsa que é a cabeça do ewan mcgregor? ou da pj harvey? pra quem até umas semanas atrás tava procurando uma lancheira de cabeça da minnie, seria uma baita evolução)

mas a mim, particularmente, a primeira imagem que me aparece quando penso em gente segurando cabeças é essa estátua de perseu e medusa, de benvenuto cellino:

benvenuto cellino

aí de cara lembro dessa outra versão, do escultor luciano garbati, que inverteu os papéis. olha essa medusa triunfante, apenas uma mulher que queria ser deixada em paz, com a cabeça desse perseu enxerido nas mãos. taquepáriu, viu, gosto demais.

“Medusa” by Luciano Garbati

em seguida, lembro dessa pintura, da judith decapitando o cara que a ia estuprar:

Cristofano Allori, Judith with the Head of Holofernes, 1613

e, por último, as várias versões da cabeça do joão, o batista, decepada na bandeja nas mãos de salomé:

Salomé con la cabezadel Bautista, de Mariano Salvador Maella

nossa, só good vibes essa temática cabeça decepada, né? um monte de simbologia católica sangrenta, um monte de gente doida. no mundo fashion e pop, a rainha de copas é vanguarda.

maria antonieta, então, nem se fala, se já era precursora fashion com a cabeça no lugar, imagina desfilando pra gucci carregando nos braços sua própria cabeça com peruca chapéu e tudo mais que tivesse direito.





ps:

pensando agora, jared leto devia ter usado essa roupa da cabeça extra no baile do met de 2018, que era sobre o imaginário estético católico - mas claro que ele quis ir vestido de jesus glam, né, pra que apostar em qualquer coisa menor que JC o próprio. me lembra uma cena do livro american gods, que a deusa da primavera dá uma festa a todos os deuses e o que mais aparece é jesus - de todas as cores, tamanhos e penteados - porque tanta gente diferente acredita nele que ele existe de muitas formas em muitos corpos simultaneamente. é interessante a ideia, mas não deixo de pensar: com tanto jesus por aí, jared, precisava mesmo de mais um?

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