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  • Foto do escritormelody erlea

essa tal de sustentabilidade

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pouco mais de um mês atrás, fiz um post no instagram comentando sobre o coala festival. pensando estritamente em estrutura pra receber um monte de gente, fiquei bem decepcionada com os esforços do evento, que tinha um line up só de artistas brasileiros prafrentex politicamente conscientes, além de milhares e milhares de fãs de tais artistas, também prafrentex, também politicamente conscientes e muito focados em berrar foratemers românticos e revolucionários a cada silêncio de segundos que se estabelecia entre músicas, entre bandas, entre conversas. essa mesma galera berrando fora temer foi embora do festival, após assistir caetano veloso - que encerrou a noite - deixando um mar de copos plásticos, latinhas, papéis, restos de comida, bitucas de cigarro espalhados pelo chão. algumas dessas mesmas pessoas gritando fora temer foram embora do festival, que aconteceu no memorial da américa latina, carregando, sem sentir vergonha - inclusive demonstrando orgulho - vasos, não pequenos, de plantas que faziam parte da decoração do espaço.

é muito louco como bandeiras como sustentabilidade, defesa da amazônia e demarcação de terras indígenas viram espetáculo e show business, pra, né, fazer bonito. pra inglês ver, como dizem meus parentes. no fim de um dia no rock in rio, mesmo depois de gisele defendendo a amazônia e alicia keys chamando ativista indígena pro palco, o mar de copos e latas é o mesmo de qualquer outro festival de música ao qual eu já compareci.

então eu me pergunto: se a organização do rock in rio tá tão assim preocupada com o meio ambiente, se eles querem tanto salvar a amazônia e dar as terras que os índios merecem, se eles tem grana pra pagar um cachê de gisele bundchen e conseguem convencer a alicia keys a falar sobre um assunto que nada tem a ver com ela, por que é tão difícil pensar em uma estrutura de evento que seja, ainda que não totalmente, pelo menos mais sustentável do que é?

todo festival de música tem gente demais e lixeira de menos. todo festival de música falha em colocar lixeiras pra coleta seletiva (ainda que grande parte do lixo seja reciclável). todo festival de música incentiva a compra de diversas garrafinhas de água e latinhas de cerveja. nenhum festival de música propõe soluções práticas e criativas pros seus frequentadores lidarem com o lixo que vão, inevitavelmente, produzir. todo festival de música recente se diz pró-sustentabilidade mas nos proíbe de levar nossas próprias garrafas de água. não disponibilizam bebedouros e fontes de água para que possamos evitar a compra de garrafinhas descartáveis. não permitem que levemos nossos lanches e alimentação própria. nos dão um copo novo a cada chopp que compramos. não oferecem saquinhos plásticos pra que possamos lidar com nosso lixo. e nem sequer incluem nas suas campanhas publicitárias o pedido simples, a sugestão, a colaboração de todos ao levar, por favor, seu próprio saquinho plástico pra guardar seu lixo até poder descartá-lo na lixeira mais próxima (que invariavelmente estará transbordando). sim, a gente devia pensar nisso sozinhos, mas me parece bem coerente que uma organização de festival que quer falar sobre salvar a amazônia nos lembre, também, de levar um saquinho plástico pra curtir o dia sem a porquice de largar os restos no chão.

mas tudo bem, né, porque a gisele vai salvar a amazônia aparentemente, o que significa que a gente pode continuar consumindo milhões de garrafinhas de plástico por dia, né? tá tudo resolvido, gente, a alicia deu espaço pros índios falarem, a galera gritou fora temer, o que são uns copinhos e umas latinhas no chão perto disso, né?

não é de hoje que me surpreende a falta de coerência nos discursos sustentáveis de eventos de grande porte. em 2015 cobri minha primeira SPFW, e embora eu não tenha falado disso porque o veículo para o qual eu trabalhava tava mais interessado em saber dos artistas globais qual seria o nome de sua história caso sua vida fosse um conto de fadas, eu fiquei chocada com a quantidade de lixo produzido sobre o qual ninguém parecia parar e pensar. havia geladeiras e mais geladeiras recheadas de garafinhas de água, gente, ÁGUA. porque colocar bebedouro tá, sei lá, em baixa? porque aparentemente nenhuma marca de roupa supostamente sustentável made in brasil de maneira artesã e o caralho a quatro teve a ideia simples de distribuir garrafinhas reutilizáveis, com logo, com propaganda, com fotinho, com o que for, pra que TOOODO MUUUNDO da semana de moda ostente por aí seu estilo de vida sustentável patrocinado pela marca x incrívellllll que vai estar em todos os cantos do evento estampada em garrafas que todo mundo vai usar pra beber água? ou que tal apenas um slogan do evento: "seja chique, esteja na moda, traga sua garrafa reutilizável"??? "garrafa de água descartável é cafona, o must have do momento é sua própria garrafa reutilizável"????

ah, péra, mesmo se alguma marca tivesse essa ideia não ia rolar porque não tem bebedouro na semana de moda. fuén. vai ter que ser garrafinha crystal mesmo, coca cola company essa linda que nos faz tanto bem, né. ah, já sei, já que vai ter garrafinha de água bagarai, podia pelo menos ter coleta seletiva, né? lixeiras coloridas patrocinadas por aquele estilista maaaaraaaaaa que superrrrr pensa no meio ambiente e financiou essas latas de lixo suuuuperrrr fashion pra gente jogar nossos lixos recicláveis! ah não, péra, também não tem isso na semana de moda. lixeira pra recicláveis é cafona, gente, vocês não tão sabendo? o cool, o in, a tendência, é lixo monocromático, minimalista, pra gente poder descartar tuuuuudo no aterro sanitário mais próximo, né? os lençóis freáticos agradecem.

o que me parece, tanto no mundo da moda quanto no mundo da música (que parecem andar sempre de mãos dadas, né, discursos parecidos, atitudes completamente incoerentes também similares), é que a sustentabilidade virou mais um jeito de entrar na onda. de mostrar que estamos contribuindo pra algo que aparentemente está na moda. é muita ostentação, mas pouca ação pra embasar, sabe?

pra não dizer que é pura hipocrisia mesmo.

quando o rock in rio chama gisele pra defender a amazônia mas não oferece a opção de levar nossa garrafa reutilizável e não fornece lixeiras de coleta seletiva, isso é uma grande hipocrisia. é querer salvar o mundo sem antes olhar pra si mesmo e ver como eu posso salvar os meus arredores imediatos. do mesmo jeito, na moda, me parece que a sustentabilidade é sempre colocada como algo grandioso, como uma mudança no sistema de moda que vai, também, mudar o mundo, mas cadê as mudanças e as ações individuais?

quando eu comecei esse blog, eu queria repetir roupa pra aprender alguma coisa. pra mudar alguma coisa na MINHA relação com consumo, com roupa, com moda, com meu corpo e com meu dinheiro. eu queria entender os mecanismos que ME faziam consumir constantemente e sem prestar atenção. eu queria mudar os MEUS hábitos. não tive pretensão de mudar o mundo, de convencer ninguém de nada, nem de abrir os olhos da população que me segue pras práticas injustas e poluentes da produção de roupa. se alguém me curtiu, me leu, concordou com minhas ideias; acho ótimo, amo estar acompanhada e amo conhecer gente que também tá disposta a mudar individualmente e ser melhor.

há algumas semanas, a lilian pacce lançou em seu instagram o desafio de usar o mesmo look por uma semana. sei que não inventei o conceito de repetir roupa - todo mundo repete roupa. (mas a mesma roupa? a semana toda?) e vejam bem, mesmo se ela tiver se inspirado no meu blog, o que seria uma honra, acho interessante como o discurso dela é muito menos sobre mudança individual e muito mais sobre mostrar pra todos que ela está comprometida com sustentabilidade e quer conscientizar a todos sobre o consumo de moda e o impacto do meio ambiente. ou seja, é a gisele no rock in rio em escala menor. o discurso é lindo, mas cadê a mudança individual? e esse discurso é coerente com os outros veículos que ela comanda? é coerente com como ela consome roupas, que marcas compra, de que marcas fala em seu instagram e site, de que marcas aceita presentes? não sei.

enquanto as empresas, eventos, festivais, semanas de moda, usarem o discurso de salvar o mundo pra criar uma imagem sustentável, um branding adequado aos nossos tempos, porém vazio de significado real, a mudança individual não vai acontecer. é mais importante enxergar o que podemos mudar individualmente do que querer salvar o mundo com a gisele bundchen. aliás, newsflash, gente, ela não vai salvar a amazônia, ela é apenas uma pessoa com muito dinheiro e muito amada que foi considerada um bom rosto pra essa campanha. mas, né, na SPFW que eu cobri, em 2015, ela disse estar se aposentando das passarelas, né? quem sabe ela não quer usar esse tempo livre pra ajudar a catar todo esse lixo do rock in rio, vamos ver se ela topa.

muito fácil querer salvar o mundo, mas muito difícil mudar nossos hábitos individuais pra contribuir com isso. e é nisso que devíamos prestar atenção. (percebam que eu me incluo aí, não tô em pedestal nenhum, não).

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