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Música de primeira, moda de segunda.
por Alexandre Bezzi

Música e moda são dois assuntos que sempre me seduziram. Como uma das palavras de ordem no mundo fashion consciente é upcycling, vale lembrar que nem todos os grandes ícones e divas da esfera musical são vestidas por nomes da alta costura ou marcas ostentação que inflacionam os lookinhos que correm nas redes sociais. É importante, sim, sabermos de onde vieram nossas peças e de seus impactos sociais/ambientais.
Reciclar peças não é novidade, mas esse hábito foi se popularizar nos, agora longíquos, anos 80. Muito antes de termos como HiLo ou Second Hand povoarem blogs e sites de moda na década de 2000.
Em 1990 eu era aquele típico adolescente desengonçado, com voz grossa e estilo duvidoso que amava música. Antes de darem o rótulo de “som alternativa” pra tudo que não se encaixava no rock e pop mainstream, eu já curtia bandas como Jesus & Mary Chain, Sonic Youth, Dinosaur Jr., entre outras doideiras chamadas apenas de guitar rock. E quando conseguia achar revistas de fora com fotos desses artistas era a glória! Eu prestava atenção em todos detalhes e tentava, toscamente, reproduzir cabelo e estilo, mas nunca ficava tão cool como as figuras que eu admirava.
Até eu conhecer pessoas que frequentavam clubes underground e tinham bandas. Aquilo foi um divisor de águas. Ter perdido o preconceito com o grunge também foi determinante para entortar minha vida e abrir espaço para conhecer movimentos como as da Riot Grrrls e Straight Edge. Todos tinham uma identidade visual bem clara. Hoje em dia é meio tudo junto e misturado, o que não é ruim. Mas estou falando de uma época quando os grupos se separavam, tinham gangues e dress codes para identificar o que cada um ouvia, lia ou assistia, suas ideologias políticas, a que grupo pertenciam.

Um dia perguntei timidamente em qual loja eles achavam aquelas camisetas listradas, jaquetas de nylon com logos e calças legais que pareciam de tiozinho (lembra desse uniforme indie popularizado pelas brandas de britpop?). Eles riram e falaram “a gente compra tudo em brechós, lojas de segunda mão ou herdamos peças de nossos pais, irmãos mais velhos e avós”. Voltei pra casa e fui fuçar o que minha mãe, pai e irmão mais velho não queriam mais usar ou estavam no ármario de décadas atrás. Achei coisa, viu?
Curiosidade: quando nasci usei enxoval feminino pois esperavam que viesse uma menina e não o Alexandre Bezzi. Em 1976 não tinha tecnologia e meios para saber o sexo de uma criança em formação. Tecnicamente fui um crossdresser bebê.
Fiquei encantado com os ambientes de roupa de segunda mão, até com o cheiro de naftalina que perfumavam os brechós que frequentava. Tinha um em Santana, outro na Pompéia e meus favoritos ficavam na Vila Madalena. Eu já ostentava um visual meio streetwear com peças vintage e lá por 1997 abriu um galpão só com peças usadas vindas dos Estado Unidos e era na frente do meu bar favorito da época.
Eram metros e mais metros de araras com jaquetas cheias de patches e estampas de casinos, hotéis, oficinas mecânicas e pizzarias que tiveram seu apogeu há mais de dez anos. E, claro, camisetas de times escolares com números nas costas, raglans e calças de trabalhador tipo Dickies. Com o salário da loja de discos e os bicos de barman, não sobrava muito na conta e esses locais sempre tinham achados por preços amigos. Pois é, ter estilo retrô não era algo inflacionado naquele período.
A internet não era popular ainda e todas minhas referências vinham de músicos. Dos anos 90 os que mais me influenciaram foram Blur, Sonic Youth, Beck e Nirvana. Eles sabiam pegar roupas que eram da terceira idade e ressignificar para uma linguagem teen. Kurt Cobain, do Nirvana, usava cardigans de tia e combinava com jeans rasgado, carteira com corrente, cabelos pintados,ou ensebados, e trazia o elemento de perigo pra roupas que, até então, eram tão inofensivas.
Kim Gordon, baixista icônica do Sonic Youth e um dos meus crushes eternos, conseguia combinar vestidos dos anos 60 e camisetas herdadas com botas, sneakers brilhando com estilo único de tocar baixo e mandar um cala a boca pros machistas, com seu discurso feminista mega politizado que abriu caminho para as mulheres mostrarem seu poder e atuando em campanhas como o Rock for Choice que visava a legalização do aborto.
E como não lembrar do Blur! Banda que levou o britpop ao estrelato e conta com o carismático Damon Albarn (também líder do Gorillaz) e do gênio guitarrístico Graham Coxon. Talvez o maior fashion icon que tive na vida. O cara contava com um arsenal de camisetas de legais demais e adquiridas muitas vezes nos mercados de peças usadas. Eu até quis usar óculos por causa dele (hoje em dia uso)!

Muito do arquétipo do look indie do meio da década de noventa pode apontar o Blur e os rivais Oasis como influenciadores. Peças casuais combinavam com esportivas e o conforto reinava. Você já fez tudo pelo modelão? Eu já! E cansei.
Não dá pra falar desse assunto e não citar o Sr. Beck. Logo que apareceu foi um choque. Era irônico, sarcástico, mesclava rap e folk no seu som e botou o hit “Loser” nas pistas indies. Ele era um mostruário brecholento e tudo isso fazia parte do fundamento do Do It Yourself e da postura de foda-se os rockstars e a indústria da moda. Hoje em dia ele anda elegante e pouco lembra o mocinho do clipe:
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sobre o autor:

Ale Bezzi (ou só Bezzi mesmo) cria conteúdo, faz programação musical, atua há anos como DJ e na área de jornalismo. Lançou DJ sets e músicas no selo @tejobeat e apresenta o Bezzi Talk Show no @bezzices.