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Música minimalista (por essa você não esperava)
Por Ívi de Carvalho
atenção à novidade! agora nossos textos sobre música vem acompanhados de uma playlist feita à mão pra embalar sua leitura! a playlist de música minimalista tá aqui, corre pra seguir e ouvir!

Tome cuidado quando for ouvir uma playlist de música minimalista por aí, por que ela pode te deixar de mau humor... ou talvez um pouco deprê, ou te levar a lugares incríveis! Depende muito do seu humor, de quanto o seu coraçãozinho e a sua mente estejam abertos a ouvir um som produzido a partir do processo.
Para começar “não existe uma única definição, amplamente aceita e consagrada, do que seja o minimalismo em música. Diante disso, o que se pode constatar é o uso de procedimentos ou técnicas composicionais minimalistas, como indícios que conduzem a esta discussão de terminologias, ainda em suspensão.” Deixando a discussão em suspensão ou não, fato é que, assim como acontece para o minimalismo como estilo de vida, o minimalismo como estilo musical é resultado de uma escolha consciente, um propósito, uma busca, um processo - e o resultado é diferente para cada um que se arrisca a ser ou se deixar influenciar pela proposta minimalista.
A primeira música considerada minimalista é de Terry Riley (In C, de 1964). No entanto o termo música minimalista (minimal music) só aparece pela primeira vez quatro anos depois, usado por Michael Nyman para descrever uma obra de música experimental, The Great Learning, de Cornelius Cardew para a revista The Spectator. Todos britânicos – a ironia, considerando que se diz que o estilo minimalista tem origem nos EUA.
Talvez seja difícil reconhecer os nomes desses compositores, mas talvez você reconheça os nomes de alguns filmes cuja rilha sonora é composta por Nyman, que assina O Piano e Gattaca.
Talvez você reconheça Subterranean Homesick Blues, de Bob Dylan ou talvez você tenha ouvido Sonic Youth em um de seus primeiros discos tocar a página 183 de Treatise, uma peça de Cardew que em vez de ser escrita em partitura normal, é toda desenhada com formas geométricas e não tem nenhuma indicação sobre com qual instrumento exatamente deve ser tocada. Cardew, além de influenciar a música com sua estética minimalista, foi também o responsável pela moção no sindicato dos músicos que acusava David Bowie de fascismo e sugeria sua expulsão da organização - episódio que também foi um dos grandes motivadores do festival Rock against Racism nos anos 70.
Só tome cuidado para não-intencionalmente se tornar parte da música caso você esteja em uma performance ao vivo de 4’33”, de John Cage – é que os músicos precisam estar lá no palco com seus instrumentos – qualquer instrumento – e não tocá-los por 4 minutos e 33 segundos, afinal todo som é música! (Se você já fez armário cápsula pelo Projeto 333, talvez você goste mais do nome da canção...)
Encontrar método na loucura, é disso que a música minimalista se trata. Ao escolher uma frase musical (manda 7 notas, Silvio Santos) e repetir por até um disco inteiro (preste atenção no disco Minimalism, do VVE – a trilha sonora do documentário da dupla The Minimalists, você vai perceber que as músicas cascateiam umas nas outras dando a impressão de uma ópera - que aliás parece ser o gênero favorito da maioria dos músicos minimalistas).
Essas frases musicais podem se sobrepor e criar polifonias ou se repetir num looping de diferentes intensidades, criando um som hipnótico, levando a gente junto numa viagem – alguém mais pensou em música eletrônica, rave, etceteras? Bom, é mais ou menos assim que começa...
E falando em viagem, se você prefere umas viagens mais visuais, saiba que o Pedro Sangeon se inspira para pintar ouvindo Philip Glass, que o Andy Warhol não só fez a capa de banana do disco The Velvet Underground & Nico, mas com eles lançou o filme-evento multimidia “Exploding Plastic Inevitable”, onde múltiplos experimentos com luz estroboscópica foram lançados e ao que parece, estão na moda por aí até hoje...
Philip Glass é responsável pela trilha da trilogia Qatsi (do famoso filme Koyaanisqatsi, de 1982), pelos indicados ao Oscar Kundun (de 1997, sobre o Dalai Lama ) e As Horas (2002, com uma Nicole Kidman irreconhecível interpretando Virginia Woolf), e pelo premiado com o Golden Globe O Show de Truman ( filme no qual ele aparece tocando). Acredite ou não, é dele também a trilha do brasileiro Nosso Lar (2010).
Ele tem também umas músicas intrigantes tipo: Days and nights in Rocinha e Aguas da Amazonia: Amazon River. Aguas da Amazonia é uma releitura das partituras feitas por Glass para piano, chamadas "Sete ou Oito Peças para um Ballet", dançadas pelo grupo Corpo em 1994 em glorioso color-blocking e projeções astrais. Essa releitura foi pedida pela própria gravadora de Glass, e as peças foram separadas, adaptadas e renomeadas pelo grupo mineiro Uakti, que toca instrumentos tipo canos de PVC e vidro.
Acredite ou não, o próprio Glass lançou um CD chamado Work From Home With Minimalism que tem sete horas. Esse não dá nenhuma grande viagem, talvez te ajude a focar e ser produtivo em mais um dia de quarentena.
Se você não achou minimalista um cd de sete horas, tente ouvir a canção pós-minimalista On the Transmigration of Souls, que rendeu o Pulitzer Prize de Música em 2003 (sabia que isso existia?) para John Adams, com sua obra baseada no 11 de setembro. Ele gosta de se basear em coisas cotidianas (ou nem tanto) como um terremoto ocorrido em 1994, que inspira o álbum I Was Looking at the Ceiling and Then I Saw the Sky, uma ópera em que numa das cenas um policial narra para uma repórter sensacionalista suas ações ao autuar um homem por roubar duas cervejas. Talvez seja mais interessante se você souber de antemão que a repórter tinha uma queda pelo policial, que por sua vez tinha uma queda pelo rapaz autuado, que é... negro?
E para terminar, que tal ouvir mais um pouco de música com mãozinha brasileira? Tente Toronubá, de Dimitri Cervo, que é dedicada à memória dos índios brasileiros que lutaram por sua sobrevivência após a invasão europeia a partir de 1500. Dimitri disse, em entrevista para o Opus Dissonus, que “é uma obra que alude metaforicamente a todos os tipos de resistência, por isso seu caráter heróico. Originalmente sugeri na partitura que os percussionistas e o pianista tocassem de pés descalços (representando o elemento indígena), para se oporem ao grupo de cordas (representando o homem “civilizado”)”.
E se tudo isso foi muito difícil de entender, converse com o bom e velho Tom Jobim e tente dizer algo tão brilhante quanto o Samba de uma nota só.
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sobre a autora:

Ívi M. de Carvalho é minimalista oficialmente desde 2015, e criou o Minimalismo à Brasileira para aproximar o Minimalismo como estilo de vida e o brasileiro e, assim, espalhar a ideia de desintoxicação do consumismo e uma vida mais leve, com mais propósito e sustentabilidade para o maior número de pessoas possível. E se isso falhar, saiba que pelo menos ela está aí: tentando.