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  • Foto do escritorMarina Minassian

o fundo do coração: fiasco a frente do seu tempo

Aqui nesse mundinho fechado, ela é incrível

Com seu vestidinho (vermelho) indefectível


Garota Nacional, um dos hinos do Skank que tocava em looping nas rádios dos anos 90, bem que poderia ser música tema do casal Hank&Frannie, protagonistas em “O Fundo do Coração”. mas, além do longa ter estreado em 1982, a escolha foi um pouco mais acertada - e requintada.


esse "anti-musical fantástico",

dirigido-idealizado-pirado por

Francis Ford Coppola, é embalado

pela voz soturna&sensual de

Tom Waits feat Crystal Gayle.

fato que só descobri em meio aos reluzentes letreiros de abertura,

quando eu já estava totalmente

rendida ao play do indispensável


aliás, tudo se revelou para mim como uma grande surpresa. a contragosto de minha mamis, eu raramente leio sinopses. me basta alguém no elenco, um nome na direção, a indicação de um prêmio para me entregar como uma criança a experiência contemplativa. gosto de assistir a um filme apenas pelo que ele é, sem ruído de opiniões elaboradas. e quando não gosto, sei que não gostei por conta própria, sem influência alheia. o que não foi o caso desse filme.


bueno, tudo ocorre em “Las Vegas”, entre aspas, já que o filme foi inteiramente gravado no estúdio "Zoetrope" de Coppola que, depois de ter passado 16 meses na selva com “Apocalipse Now” brandou: foda-se essa merda, vou brincar de “Show de Truman” onde tenho tudo sob controle (menos o orçamento kkk entro nesse detalhe adiante).


conhecemos Frannie em um grande "Inception" de artificialidade: dentro de uma vitrine, um dos maiores símbolos de idealizações e falsas promessas, que está dentro de um estúdio e que retrata Vegas, uma cidade toda montada, toda sintética. como se não bastasse, a vitrine é de uma agência de viagens, promovendo passagens para NY. [American Dream intensifies]

sem usar de uma palavra, é nítido que essa mulher que flerta diariamente com cenários de sonho, destoa de todo o glamour que a adulta, barulhenta e rígida Big Apple promete ofertar. o lukinho candy color, meio infantilizado diz tudo: sweaterzinho, calça larguinha de cintura alta, suspensórios pra assegurar que ninguém bisbilhote a intimidade de seu cofrinho enquanto executa o seu ganhão pão e ~sneakerzinhos confortáveis.

o monocromático desse rosinha-pastel-candy-color é tão inocente que eu até cheguei a presumir que em algum momento Frannie tenha sido uma ˜laundry virgin, misturando suas peças brancas com o seu vestido vermelho, bem a la Rachel&Ross. quem nunca?


o fato é que essa cena já gera uma identificação instantânea com nós meras mortais, cheias das síndromes de Peter Pan e/ou submissas a frieza das grandes metrópoles. ó, pq choras CVC?????


pós expediente, encontrando Hank em casa, rola aquele momento “oi mozão como foi seu dia” olha só que casal harmonioso. mas aí não seria um enredo típico da década de ouro de Woody Allen né...


a coisa começa a azedar quando trocam os seus presentes em comemoração aos 5 anos de relacionamento e Frannie, uma mulher que sabe o que é bom, os presenteia com uma viagem pra Bora-Bora. e o que o bocó faz? dá entrada na casa em que ela nem curte, usando também do dinheiro que ela poupou, sem sequer consultá-la. ¿COMO?


nossa protagonista candy color se contém e promete não brigar 🤡🤡🤡 até se submete a um vuco-vuco glamour zero no colchão da sala, para depois de se embonecar toda, fazer um ESFUMADO PRETO NO OLHO, descobrir que vai comer em casa, um frango que o macho preparou. isso não se faz nem em tempos de pandemia, sabe?

o jantar mal termina e eles já tão naquela baixaria se insultando na cozinha e depois pra vizinhança ouvir. cada um se refugia na casa de seu respectivo melhor amigo pra chorar as pitangas, com destaque pra essa primeira cena de uma belíssima sobreposição e o fato dela seguir envolta pelo rosinha, bem na domesticidade, sonhando com as falsas promessas de aventuras não-monogâmicas:

em pleno 4th of July, cada um vai se encontrar com um parceiro “dos sonhos”. Frannie iludida por um garçom, mais velho, que se passa de pianista e Hank com uma estonteante artista circense novinha, com ares de ilusionista. ah, os estereótipos dos papéis de gênero.


atenção também para esse cinematic parallel, em que Domingo Legal by Gugu Liberato mira no Coppola e acerta nesse pesadelo feminino, como você pode testemunhar em vídeo.


antes da grande celebración estadunidense, Frannie dá aquela passadinha em casa pra pegar umas roupas e aqui expectativas são criadas para o ˜turning point de nossa candy-color- girl-trabalhadora-comportadinha. ela mira o armário e sem muito pensar tráááá:

vestidinho vermelho. dressed to kill.


na intimidade de sua troca de lukinho&persona, ela é supreendida pelo ex-atual-morador da casa e presenciamos esse diálogo autoexplicativo:


toma, otário kkk mas ele não para, né....




Cozida à vapor

Quero te provar

tchurubidaumtchururu🎵


assim como o icônico vestido preto de Lady Di, esse vermelho também pode ser descrito ˜quotando Melody-CEO-Repete-Roupa: "vestido-vingança (revenge dress, em inglês): aquele look que você usa pra mostrar pro mundo todo que superou o boy lixo e tá na pixxxxta"


munida de seu revenge dress, Frannie vivencia a caricata noite de montanha russas emocionais: sai cabisbaixa pelo falso mundo com sua trouxinha de roupa, recupera a confiança tentando uma técnica de body language, depois se sente ridícula, etc etc etc

a boa é que Frannie ao menos experimenta dos sonhados momentos calientes com seu latin lover, dançando tango em seu mundinho fechado com seu vestidinho vermelho indefectível.

pq choras La La Land?

e como a própria Melody já citou nessa publicacão sobre o vermelho usado nas roupas das aias em Handmaid's Tale, a cor está sempre associada à paixão, desejo, pecado.

o que também me faz pensar nessa simbologia aplicada ao conto

"Sapatinhos Vermelhos", que inspirou a obra cinematográfica de 1948 (ao lado) e é belamente analisado na leitura obrigatória "As mulheres que correm com os lobos". mas isso é tema pra oooutro dia.



é claro que a diversão incomoda o nosso queridão macho possessivo com ares de Tiago Leifert em The Voice Brasil (eita que a ref já ficou ultrapassada enquanto escrevo isso...)

ainda que seja carregada de simbolismos e coerente com o tom pastelão-caricato-onírico de todo enredo, a cena em que Hank retira Frannie forçadamente de seu "sonho" na cama com o latin lover, a equilibrando em seus ombros e a desfila em seu carro conversível (ainda despida do revenge dress) é bem problemática aos olhos atuais.

se a reprovação desse relacionamento já era grande no início, aqui ela é 100% #foraHank


mas é claro que não dá pra esperar um roteiro muito feminista-sensato de uma produção masculina de 1982 (levando também em consideração que Phoebe Waller-Bridge ainda estava para nascer e nos salvar). o maior atestado de extravagância e confiança inabalável do homem hétero branco pode ser exemplificada pelo próprio orçamento da produção, que havia previsto 15 milhões de dólares e acabou estourando com, oops, VINTE E SEIS milhões de dólares. lembremos novamente do ano em que estamos falando.


Frannie volta ao look candy color para retornar aos braços de Hank, assim como Coppola também se vê obrigado a retornar às produções mais comerciáveis como "The Godfather III" para recuperar o rombo da falência de seu estúdio após a bilheteria não ter atingido nem os 700 mil dólares. e aqui, o meu singelo palpite, de que talvez tenha havido uma injustiça por incompreensão popular. the famous "a frente do seu tempo" tem suas consequências.

o romancezinho deve ter sido propositalmente fraco e inconvincente, como reforço diante de tanta artificialidade. sob todo aquele neon, tudo é tão irreal, que quem se importa com as pessoas? em certo ponto a gente joga a toalha e aceita que aquele lenga-lenga é só desculpa pro show visual e sonoro, tal qual um romance de Larissa Manoela é só desculpa para fantasiar na Disney. mesmo com o cara errado, sempre vale o rolê.

olhando aqui do alto desse início dos anos 20, não tem como não dizer que “O Fundo do Coração” foi o fiasco que se sacrificou e abriu caminhos para muitos ousarem posteriormente.

para pontuar a influência mais óbvia que me veio em mente, está a sequência de videoclipes dignos de Grammys do álbum "After Hours" de The Weeknd. estética completamente anos 80, embebida em neon, ostentação, superficialidade e drama. e o cantor sempre com seu pecaminoso look all red, inclusive na apresentação do Superbowl de fevereiro de 2021.

Videoclipe de "Heartless"

Videoclipe de "Blinding Lights"

Videoclipe de "Save Your Tears"


a crítica extra ao artificial fica por conta da medonha harmonização facial em "Save Your Tears" coisa que, felizmente, sequer existia nos anos 80.

e só pra encerrar com mais um cinematic parallel que não pude deixar de relacionar em minha caótica cabezita: esse tristolo Hank, contemplando o ferro velho em que trabalha, como que apegado nos destroços do que ainda existe de real, numa vastidão de ilusões...

...não tem um quê de Seether feat Amy Lee no clipe de Broken?

ou serase estou apenas forçando a barra com minhas referências de Disk MTV?

aqui encerro com meus humildes conselhos:

> não tire o vestido vermelho;

> não tire o batom vermelho;

> não tire conclusões sobre "O Fundo do Coração" só por esse texto.









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