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por favor parem de falar pra eu amar meu corpo (e outras ideias sobre fazer 30 anos)



gemma corell

umas semanas atrás tivemos, na casa dos meus pais, um evento só com as mulheres da família. foi uma semana antes do meu aniversário de 30 anos, e eu pedi encarecidamente para que as sábias e vividas molieres da minha família me dessem os conselhos que elas gostariam de ter ouvido ao fazer 30 anos.


ouvi os seguintes depoimentos sobre chegar aos 30 anos:


da minha irmã (que tá com 25 mas decidiu que podia me aconselhar sobre os 30) - o legal de ir envelhecendo é que você deixa de focar tanto na opinião dos outros e passa a ser a sua própria pessoa. não quero sair no sábado à noite? não vou sair no sábado à noite. quero me vestir do meu jeito? vou lá e me visto. na adolescência a gente tá tão preocupado com o que nosso grupo vai achar, né?


da minha vó (que se recusa a ser chamada de vó e literalmente inventou um apelido pra que os netos pudessem se referir a ela carinhosamente mas sem usar a palavra vó) - o tempo passa muito rápido! a gente precisa fazer tudo de bom e agradável: coma do melhor, passeie, viaje, transe muito (risos essa parte é interpretação minha), se esforce para fazer tudo que te traga bem e te faça sentir bem.


de uma das tias - a gente se apressa tanto até os 30, né? uma pressa pra fazer faculdade arranjar emprego casar ter filho ter casa...... mas pra quê? dos 30 em diante quanto tempo de vida você vai ter? então não tenha pressa, faça tudo a seu tempo, não se deixe levar por padrões apressados da sociedade. não vale a pena ter pressa pra se resolver, há bastante tempo pra gente se achar, se entender e conquistar o que quisermos conquistar. viva seu tempo, não tenha pressa pra nada.


de outra tia - nossa visão de mundo e as coisas que queremos mudam muito do início dos 20 para depois dos 30. tudo que a gente achava que tinha que resolver logo, depois que amadurecemos, não pesa mais tanto na nossa vida. partes não-resolvidas da nossa juventude passam a não importar tanto e nós aprendemos a querer e a valorizar coisas diferentes em casa fase da vida. não encane com suas coisas não resolvidas, porque elas podem nem fazer mais tanta diferença em alguns anos!


de ainda mais uma tia - cultive a bondade genuína. ser bom é um exercício constante e é tão importante aprender a ser bom - independentemente do que esperamos receber de volta.

mas o melhor conselho, sem sombra de dúvida, foi o seguinte:


NÃO SEJA METIDA.


ai, melzinha, mas como assim, que tipo de conselho é esse?


me explico (ou melhor, minha tia explica porque a anedota é dela).


minha tia odiava seus joelhos. olhava pros joelhos e pensava plmdds que coisa horrorosa vamos esconder vocês do mundo para não criar transtornos por aí. aí deu que minha tia não usava saia, porque, né, como usar saia e deixar a população mundial olhar pra essas deformações da natureza que eram os joelhos dela. um dia minha mãe, seguindo a cartilha da irmã mais velha, disse MAS VOCÊ TÁ METIDA HEIN. CÊ ACHA QUE TEM ALGUÉM REPARANDO NO SEU JOELHO ALÉM DE VOCÊ MESMA. e pronto, esse foi o fim de uma encanação e o início de uma vida feliz para dois joelhos que passaram a ver a luz do sol.

e a real não é essa? as nossas encanações com o corpo são exatamente isso: nossas. não tem mais ninguém reparando, ninguém olhando com atenção, ninguém preocupado o suficiente com o corpo alheio pra ficar botando defeito em joelho, em braço, em celulite.

por que eu achei esse o melhor conselho? porque, gente, esse conselho ensina uma coisa pra gente que eu demorei pra aprender. sabe essa onda de "body positivity" e os discursos de ame seu corpo do jeito que ele é? então, embora isso tudo soe bem lindo - e eu não duvido que tenha ajudado mesmo a muitas meninas que precisavam só de um empurrãozinho em direção à boa auto-estima - me incomoda essa ideia de que precisamos AMAR nossos corpos.


a gente não ama nossos corpos. o discurso da enfeiamento é recitado automaticamente por qualquer mulher "ai eu amo meu cabelo, mas em compensação meu pé...."; "eu até tenho a cintura fina, mas se você vir o formato dos meus seios.....". a gente parece programada pra constantemente julgar nossos próprios corpos, seja pro bem ou pro mal.

a premissa de amarmos nossos corpos é isso: dar uma qualidade a eles, fazer um julgamento positivo de algo que, no fundo, está lá pra que nossa mente e nosso ser possa existir fisicamente.


mas eu não quero amar meu corpo. não apenas não quero como não amo, honestamente falando. meu corpo tá aí, ele é o que é, a natureza fez dele assim e eu estou apenas satisfeita de possuí-lo. posso?minha relação com meu corpo físico pode ser nem de amor nem de ódio? pode ser mais um dar de ombros como quem diz "tá ok, tá tudo ok, não me preocupa tanto".


porque, gente, amar o corpo não é fácil. amar o corpo INTEIRINHO, então, não conheço uma mulher que consiga. eu vejo tanto por aí esse discurso, essa frase de efeito, mas sinto falta de umas letrinhas pequenas embaixo dizendo "mas tudo bem se você achar difícil amar seu corpo" ou "também se não quiser amar seu corpo não tem problema".


e vejam bem: eu apoio incondicionalmente essa mudança social, protagonizada por nós mulheres, para que haja representatividade de todo tipo de corpo. celebrar a diversidade de corpos existentes é, claro, algo positivo que nos está levando a uma noção de beleza que é mais inclusiva e mais empoderadora.


o problema é recitar o mantra do "ame o seu corpo" como se isso fosse um antídoto para todo o ódio que aprendemos a nutrir por nossa forma desde tão cedo. às vezes a gente olha no espelho e não gosta do que vê. não há vergonha em não amar seu corpo, isso não te faz menos feminista ou menos participante das dinâmicas femininas atuais.


você não precisa AMAR sua celulite, ou seus joelhos. e você definitivamente não precisa se sentir mal por não gostar das suas celulites ou dos seus joelhos. você não precisa sequer pensar sobre suas celulite e seus joelhos: que tal se a gente passasse a ter uma postura de neutralidade - ao invés de amor ou depreciação - em relação a nossos corpos?

aceitar que nosso corpo é como é, que há partes que nos agradam e outras nem tanto, mas que nada disso influencia em quem somos, em como nos apresentamos pro mundo, em nossas habilidades, talentos e capacidades. ao invés de "ame o seu corpo", eu tô mais pro "não fica pensando no seu corpo, não". menos foco no amar seu próprio corpo, mais foco em "esse é meu corpo e ele me acompanha sempre e tá tudo bem".


é como se a gente parasse, saísse de todo o ruído branco mandando a gente se amar com defeitos e tudo, e perguntasse MAS CALMAÊ, qualéqueé desse rebuliço todo? não é tudo CORPO? não é tudo um diferente do outro mesmo? todo mundo não tem um? então porque a gente tá dando tanta atenção a ele e ao suposto amor que devemos sentir por ele?

o fato de que estão tentando nos convencer a amar nossos corpos só mostra quanta atenção o corpo feminino ainda recebe. quantas vezes você viu alguma campanha dizendo pros homens amarem seus próprios corpos como são? não existe, gente, porque o corpo masculino tem tão pouca influência em como enxergamos os homens na nossa sociedade. quando aprendermos que nosso corpo é e pronto, e não precisa ser amado nem odiado, aí acho que teremos estabelecido um equilíbrio representativo da mulher o do homem na mídia, e finalmente teremos desatrelado o conceito de ser mulher do conceito de ter um certo tipo de corpo ou amar seu corpo mesmo que ele não seja do "tipo certo".


quando a gente para de focar nossas energias em amar ou odiar partes do nosso corpo, e passamos a pensar menos sobre ele, ele realmente passa a ter menos peso nas nossas decisões diárias e em como achamos que as pessoas irão nos enxergar. é fácil? não é fácil. a necessidade de julgar nossos corpos é quase involuntária, e reconheço que o "se amar como a gente é" e um passo em direção a não deixar nosso corpo ter um peso tão grande em como vivemos nossa vida.


menos ficar obcecando com nosso formato, mais dar de ombros porque nosso formato não faz diferença, é nisso que eu acredito. e esse é o conselho que eu gostaria de ter ouvido, não aos 30, mas aos 12, 15, 20.......

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