melody erlea
a emocionante rota das emoções - parte iii: a trilha sonora e as leituras
*eu escrevi esse post em 2016, quando passei 10 dias em janeiro viajando pelo nordeste. o texto está reproduzido sem nenhuma alteração; em cor-de-rosa vocês vão encontrar meus comentários atuais.
leia também:
a trilha sonora:
eu disse logo antes de ir viajar que a coletânea dos anos 90 de ska californiano chamada california ska-quake seria minha companheira pelas duas semanas seguintes (eu tinha acabado de descobrir esse cd, california ska quake, dos anos 90, e baixado em mp3, e tava completamente fissurada). e ela foi. não apenas porque é um disco maravilhoso, mas porque meu celular parou de ler meu cartão de memória e esse disco era um dos poucos que eu salvei direto na memória do celular. ou seja, fiquei meio que sem opções, mas isso não foi ruim de maneira nenhuma, porque nada melhor que um third wave californian ska pra chacoalhar o espírito, e toda uma vibe praiera guerreira nas músicas que foram ideias pro mood da viagem.
então basicamente, essa foi minha trilha sonora.
na reta final da viagem, mais especificamente no avião de fortaleza pro rio (onde faríamos a conexão pra são paulo), decidi ouvir outro disco que estava salvo no celular e não no cartão de memória. esse disco foi a escolha ideal por várias razões, mas principalmente porque ele é um disco de adeus e eu estava basicamente dizendo adeus ao nordeste, à areia, às praias, ao clima todo, enfim, quase um break-up. e não por acaso, o disco que eu estava ouvindo é o melhor disco de break up da história da motown e quiçá da história da música. e todo um groove, toda uma sensualidade, todo um marvin gaye fazendo o que ele faz de melhor

cara, que disco, acho que vou ficar naquela vibe obsessão como sempre acontece comigo e talvez eu fale bastante do marvin gaye nesses tempos, e bastante desse disco também, que eu decidi escutar no momento certo da minha vida. mas toda boa música é assim, né, já disse lester bangs, a boa música escolhe você e não o contrário.
as leituras:
passei 10 dias viajando pelo nordeste e li quatro livros. isso é um recorde pra mim, pelo menos desde que eu saí da infância em que devorava dez, quinze, às vezes vinte livros por dia. (pensemos que os livros infantis tem bem menos páginas, muito mais figuras e letras relativamente maiores, mas meu ritmo de leitura é algo do qual eu me orgulho desde sempre)
portanto, orgulhinho de ter lido quatro livros em 10 dias, mas se eu for ser bem sincera, um deles tinha só 60 páginas, o outro era um livro adolescente e o primeiro, apesar das mais de 400 páginas, eu já tinha lido metade antes de ir viajar.
de qualquer forma, gostei da experiência, percebi que as distrações da cidade - especialmente computador e tv - realmente nos fazem perder o foco e é só nos afastar delas que o cérebro volta a aceitar os longos períodos de concentração, o entretenimento que provém da leitura, a sensação de isolamento do mundo real e pertencimento a um mundo paralelo, a um universo separado do nosso cotidiano, tudo isso sempre me agradou e foi bom entrar em contato verdadeiramente com o hábito da leitura de novo.
não que eu não leia quando não estou viajando, mas quatro livros em 10 dias? só nos caminhos loucos do nordeste mesmo pra isso acontecer.
o primeiro livro que li foi the ghost bride, da escritora da malásia yangsze choo.

eu ganhei esse livro de natal de uma das minhas aluninhas, e quando vi o título achei que ia ser uma história de amor sobrenatural adolescente tipo crepúsculo, só que com fantasmas. comecei a ler com bastante desânimo, apenas porque achei que na volta às aulas minha aluna ia perguntar se eu tinha lido e eu não queria mentir, e também não queria dizer "não, durante as férias todas fiz várias outras coisas mas o seu presente não deu tempo de ler, não, mal aê". comecei a ler mais ou menos uma semana antes de ir viajar e minha intenção era terminar antes da viagem, pra poder começar um livro novo no nordeste.
acontece que, apesar de ele não ser a história de amor adolescente que eu esperava, até mais ou menos a metade é um livro relativamente chato. a escrita é muito descritiva e daquele jeito óbvio, que assume que os leitores precisam de tudo mastigadinho - o que por um lado eu entendo: o livro se passa numa colônia chinesa/britânica no fim do século XIX e imagino que a autora dedilhou tudo pra que o leitor pudesse entender os costumes e a cultura desse cenário tão distante do ocidente, tanto na distância espacial literal quanto na distância cultural. mas ainda assim, ela podia ter deixado certas coisas implícitas, coisas pra gente entender do contexto, coisas pra gente deduzir.
enfim, li a primeira metade do livro devagar porque tava achando a leitura chata e não conseguia me concentrar, e no dia anterior ao meu vôo pro maranhão precisava escolher se levaria e tentaria terminar o livro na viagem ou se deixaria ele em casa. decidi ler alguns reviews na internet, e no geral as pessoas diziam que o livro melhorava do meio pro fim. coloquei o livro na mala e torci pra isso ser verdade.
o livro realmente melhora bastante a partir da metade, apesar do estilo da escrita ser basicamente o mesmo. mas a protagonista da história passa a viver um tipo de aventura cuja atmosfera me lembrou um pouco a viagem de chihiro, e também aquela animação recente, the book of life. ou seja, todo um universo espiritual típico de uma cultura que não é a minha, e tão interessante de ler, de assistir, tão envolvente. as descrições dos cenários são belíssimas, a relação entre o mundo espiritual e o real retratada na história, assim como nos dois filmes que eu citei, deixa uma sensação de magia, de espiritualidade/mito/fantasia que dá gosto de ler.



gosto dessas histórias que tratam uma suposta morte ou hiato do corpo carnal como uma passagem para um mundo inalcançável onde o personagem aprende não necessariamente sobre a vida após a morte ou sobre o mundo dos espíritos, mas sobre as semelhanças no funcionamento social dos mundos, os reflexos de nossas próprias dinâmicas nas mitologias e crenças do sobrenatural.
o final do livro é meio fuén, mas no fim a leitura foi ótima e me permitiu conhecer mais sobre uma cultura completamente alheia ao meu universo.
terminei the ghost bride e comecei a ler do androids dream of electric sheep? do philip k. dick

que a capa diz ser a inspiração pro blade runner, filme que eu vou ter que rever agora (já revi o filme haha). o livro é muito bom, mas eu sou suspeita pra falar porque amo ficção científica. me lembrou minority report (que eu descobri também ter sido escrito pelo k. dick) e de leve inteligência artificial. é uma obra futurista magnífica, com personagens muito identificáveis que a gente reconhece como parte de uma sociedade familiar à nossa, cujas ações representam bem certos arquétipos que são muito fáceis de compreender, gente que existe, gente que é claramente fruto de uma relação social que é igual a que a gente vive.
no final eu fiquei meio tipo não entendirrrr, acho que foi profundo demais pro meu pequeno cérebro, mas a leitura é super fluida, além de muito emossionamt - eu li o livro em dois dias, e talvez tivesse lido em apenas um se não tivesse viajando.

depois li o conto the grown up, da gillian flynn - a mesma mulher que escreveu gone girl, que eu não li, mas vi o filme e achei maravilhoso. o livro é curtinho, mas essa mulher escreve bem demais, gente. se em 60 páginas ela conseguiu criar uma história assim, uma protagonista tão cruamente descrita, um desfecho tão dúbio quanto incrível, imagina o que ela não fez em gone girl? se o filme já é bom desse jeito, imagina ler a história com essa mulher escrevendo? ela é seca no retrato de vidas pessoais como o palahniuk, mas com uma sensibilidade feminina por trás, uma amargura que só uma mulher consegue deixar tão sutil mas tão verdadeira, quase uma mágoa mas na verdade um escárnio, algo assim surpreendente.
por último li nick and norah's infinite playlist

que eu comprei porque amo o filme, apesar de já ter superado um pouco essas narrativas de adolescentes outsiders se encontrando. o livro tem algumas cenas idênticas às do filme, mas no geral a atmosfera é diferente e os protagonistas, nick e norah, são relativamente diferentes do que fizeram no filme. no livro eles se auto-proclamam punks, e as bandas fictícias que eles escutam e vão aos shows são todas consideradas punks também, enquanto o filme foca mais num universo indie (o que eu acho muito mais verossímel, na verdade). a descrição física do nick e da norah é completamente outra, não sei nem da onde resolveram colocar o michael cera porque, gente, nada a ver. a norah eu entendo terem mudado, mas eu continuo sem compreender a escolha do michael cera como galã-adolescente-indie, nesse filme ou em qualquer outro (scott pilgrim??? eu amo esse filme, mas não consigo entender, juro que não consigo, as motivações de colocar o michael cera lá).
no geral é uma historia de paixão adolescente dessas quase bregas, mas os autores enfeitaram tudo com a música, e no fim o que eu gostei mesmo no livro é que muito mais de que o romance entre os teens, o livro é uma homenagem à música boa e a quem ama música. a ideia da ~infinite playlist~ fica muito mais clara no livro do que no filme, e é tão bonito ver meus próprios gostos musicais, meu próprio amor pela música, escrito ali, na história de outras pessoas. é um livro pra quem ama música mesmo, especialmente do jeito que eu amava na adolescência, quando as canções, as bandas, as letras parecem ser a única coisa no mundo que encaixa com se cérebro. de britney a patsy cline, passando por bee gees, abba, smiths, patti smith, jeff buckley, velvet underground, clash, temptations, johnny cash, ray charles, weezer, wilco, fugazi, enfim, todo um leque de citações musicais completamente relevantes e maravilhosas, do jeitinho que eu gosto.
todo um amor, gente, todo um amor, por esses livros e pela música toda, por toda música boa.