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sex education e o jeans metafórico

(esse texto talvez contenha spoilers da segunda temporada de sex education, dependendo da sua definição de spoiler)

sex education é toda uma viagem. se passa numa cidade fictícia com uma escola mais ou menos nos moldes americanos, com meninas ricas malvadas, caras esportistas, geeks e outsiders. chega ao limite clichê do aluno que é a estrela do time de futebol mas decide que também quer ser estrela do musical da escola e, mesmo que nunca ninguém o tivesse visto cantar ou atuar, consegue de primeira o papel principal. que, óbvio, é romeu. porque, claro, a peça é um musical inspirado em romeu e julieta.


só que aí todo mundo tem sotaque inglês, a escola é a mais diversificada da tv com gente de todas as cores, todas as preferências sexuais (inclusive quem prefere nunca fazer sexo na vida) e todos os tipos de relações interpessoais. e o musical é uma leitura completamente sexual de shakespeare, com uma cena em que alunos fantasiados de pintos e vaginas gigantes fazem um número musical no mínimo instigante.

o roteiro pode ficar non-sense no nível high school musical, às vezes, mas a complexidade dos personagens e das discussões propostas torna tudo uma sátira bem interessante de um mundo adolescente que é, normalmente, retratado de forma completamente caricata.


já falei mais profundamente sobre os personagens quando assisti à primeira temporada, que em termos de originalidade foi mais legal, trazendo referências do mundo dos musicais glam, com hedwig and the angry inch, e abusando de clichês anos 90 de filme adolescente, como a banda tocando no baile de formatura (que, como em muitos filmes dos anos 90, é uma banda de verdade, liderada pelo cantor e compositor ezra furman).

nessa temporada, o que deu o tom para mim foram os figurinos. amo uma série pé-no-chão com adolescentes que repetem suas roupas, e em sex education a gente tem revival de algumas das peças mais icônicas da primeira temporada: a jaqueta jeans meio dolly parton da aimee e a jaqueta jeans de franjas da maeve.


maeve tinge o cabelo de castanho, depois de uma conversa em que descobre que sua mãe usava o mesmo estilo de cabelo que ela na juventude. a mudança é uma tentativa de se afastar esteticamente das escolhas da mãe e, quem sabe, conseguir ter também uma vida diferente da dela. maeve também reaparece usando sua jaqueta de couro com pelúcia na gola, que vimos bastante na temporada passada, e aimee adiciona ao seu guarda-roupa uma jaqueta bordô de patchwork que é uma ode ao estilo kitsch da personagem. amei demais. aqui no instagram me aprodundei mais na construção das personagens de aimee e maeve e na importância das roupas que usam pra credibilidade dessas pessoas fictícias.

otis está num relacionamento com ola agora, e eu amei que os visus dele são super harmonizados: normalmente com listras, volumes e cores que ficam bem juntas. o casaco listrado de otis também é repeteco da primeira temporada.

do núcleo central de personagens o único que não vemos repetindo looks é eric, e isso não é à toa: eric está desde a temporada passada tentando entender quem é e como expressar isso social e esteticamente. desde sempre o vemos com muitas cores e estampas, e na primeira temporada senti uma forte inspiração 80s em como ele se vestia. muita cor e estampa, tentando expressar uma energia, alegria e bom humor, mas às vezes esbarrando em seu próprio jeito desajeitado. lembra quando ele foi pra escola com uma camisa abotada errado?

na segunda temporada ele está mais seguro, mais assertivo e menos disposto a esconder quem é. ele usa muito brilho, ternos coloridos em ocasiões especiais, estampas de origem africana e conjuntos de camisa e calça/bermuda combinando. é um estilo pessoal ainda colorido e enérgico, mas menos estabanado. adoraria ver a evolução do estilo de eric até a vida adulta!


mas a estrela do figurino de toda a temporada é uma calça jeans. um jeans que representa um trauma que representa uma dinâmica social que às vezes parece muito mais poderosa que a gente.


aimee tá numa fase complicada nessa temporada. não bastasse a mãe ausente que fica tentando fazer parte da filha entre uma taça de vinho e outra e o fim de sua amizade com as meninas populares, aimee entende, talvez pela primeira vez, a complexidade do abuso sexual. é numa viagem de ônibus de sua casa pra escola que um rapaz simpático, gentil, que sorriu pra ela quando ela entrou no ônibus, se masturba e goza na perna de aimee. em seu jeans favorito, que foi barato porém é a modelagem perfeita boot-cut. não é fácil achar o jeans perfeito, e aimee sai correndo do ônibus chateada e incomodada - com a possibilidade de sua calça ter estragado pra sempre.


a garota é resistente, a princípio, à ideia de abuso sexual. "é como se ele tivesse espirrado em mim pelo pênis, é nojento mas tá tudo bem", ela responde quando sua amiga maeve, ao saber do ocorrido, tenta convencê-la a ir à polícia. é só quando ela percebe quão dificil é responder às perguntas dos policiais, quão culpada ela está se sentindo e a vontade que te chorar cada vez que veste a calça jeans ou tenta subir no ônibus é que aimee começa a compreender que o acidente no ônibus pode ter tido mais sequelas que apenas uma mancha na sua roupa.

é muito tocante assistir aimee tão emotiva quando olha pra sua calça manchada, sentindo tanta raiva por aquele cara que estragou seu melhor jeans. o jeans aí representa tanta coisa: uma peça de roupa querida, claro, mas também uma ideia de algo perfeito, que funciona e nos deixa feliz, arruinado por um acontecimento tão aparentemente simples. algo que nem sequer a machucou, algo do qual ela participou completamente passivamente e por pouco não teria nem percebido. uma calça que representa o descaso de todos os passageiros do ônibus que assistiram ao abuso e não fizeram nada para ajudá-la, uma calça que representa sua vulnerabilidade como mulher, uma calça que a lembra que ela não está segura nem no trajeto pra escola.


um jeans, que no fim das contas, representa a própria aimee: alguém que parece perfeito à primeira vista - ela tem dinheiro, roupas, mora numa casa grande e confortável - mas que por causa de pequenos acontecimentos, que deixam marcas pra alguns imperceptíveis, ela sempre se sentirá meio estragada, meio insuficiente, meio inadequada.


toda essa atmosfera pesada é redimida no episódio seguinte, feito nos moldes do filme teen clássico breakfats club. em sex education, 6 alunas da escola ficam detidas após a aula por algo que não fizeram. a convivência obrigatórias das 5 - que no dia-a-dia não se dão bem - acaba servindo como uma auto-descoberta feminista: elas descobrem que o que as une, o que as aproxima, o que as faz semelhantes, é sua familiaridade com o assédio masculino e o comportamento repreensível dos homens em suas vidas. as 6, que até então não tinham nada em comum, acabam servindo como um alicerce umas pras outras, uma coisa bem "ninguém solta a mão de ninguém", e viram praticamente um grupo de apoio - conseguindo ajudar aimee a, finalmente, voltar a andar de ônibus.


um jeans que começa representando um trauma e acaba unindo mulheres com um trauma em comum - esse é o poder de uma roupa.


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