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algumas ideias sobre armário cápsula (e o que eu fiz pra adaptar a proposta à minha realidade)

cada vez penso mais sobre essa brincadeira de repetir roupa e percebo a importância de se discutir não o repetir roupa, isso todo mundo já faz de um jeito ou de outro, mas nossos hábitos gerais de consumo - não só como , onde e o que a gente compra mas como a gente consome as coisas mesmos, o lixo que criamos, os nossos desperdícios.

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esses três meses de blog tem sido legais porque acabei conhecendo, especialmente pelo instagram, muita gente que também tá pensando diferente essa coisa do usar roupa e usar coisas, do ter, do acumular e do desperdiçar, duas ações aparentemente contraditórias mas que a gente costuma exercer rotineiramente, o tempo todo, às vezes sem nem perceber. quero falar mais sobre tudo isso nas próximas semanas - estou rascunhando uma série de posts sobre consumo consciente e sustentabilidade na moda - mas hoje, já que o mote principal do blog é a repetição semanal de roupas, queria falar dessa tendência entre as mulheres que tem pensado moda com mais cuidado: o armário cápsula.

eu tenho usado as hashtags relacionadas ao armário cápsula ultimamente no instagram porque percebo a tendência (o que me faz pensar também sobre como tudo tem que ser tendência, ninguém faz ou todo mundo faz, acho isso uma loucura: acho toda a movimentação pelo viver simples e pelo consumo mais consciente maravilhosa, mas porque na moda isso tem que vir no mesmo formato de 30 e tantas peças repetidas por 3 meses e aí todo mundo faz igual como se não houvessem outros jeitos de discutir versatilidade do guarda-roupa, criatividade ao se vestir, menos consumo, etc) e quero atrair cada vez mais gente, claro. mas a verdade é que minha proposta tá bem longe de ser um armário cápsula, em muitos sentidos. mas em alguns, como a repetição criativa, a maior consciência sobre as roupas que possuímos e como usá-las, o conhecer seu armário, eu chego perto do conceito. perto, mas não totalmente.

a primeira vez que ouvi falar de armário cápsula, lembrei imediatamente da minha infância, quando a cada mais ou menos 6 meses, minha mãe alcançava a parte mais alta do armário pra tirar de lá os casacões, os tricôs, os cachecóis e no lugar deixado por eles guardar com cuidado os shorts, os maiôs, os vestidinhos de verão. se fosse a chegada da estação quente, o movimento era o contrário,  mas o ponto a ser ilustrado é de que nosso armário em casa sempre foi mais ou menos um armário cápsula. o que é perfeitamente compreensível - é claro que com a chegada do verão guardam-se as roupas de inverno e vice-versa.

lembrei também de outro momento da minha infância. eu sempre fui apaixonada por barbie. e vejam bem, não é porque ela tinha um padrão de beleza inacessível que eu espelhava e queria alcançar, isso nunca me afetou. é claro que eu sabia que a barbie era "bonita", mas eu não entendia ainda sobre proporções corporais e pra ser honesta nem me ligava dos seios, da cintura, dos elementos estéticos. no geral eu gostava dos cabelos, e apreciava que elas vinham em diferentes cores de pele e estilos capilares - sempre gostei das de pele e cabelo moreno (provavelmente porque pareciam mais com minha mãe e portanto comigo), ainda que a barbie negra tenha sido difícil de achar; e era obcecada por suas roupas. minha mãe e minha vó passaram umas boas horas costurando roupinhas encomendadas e "desenhadas" (retrato-falado, digamos assim) por mim. eu gostava que minhas barbies tinham roupas únicas, diferentes das que podiam ser compradas nas lojas, roupas com história, roupas que eram apenas das minhas barbies e de mais ninguém. eu ainda não gostava de roupa per se, eu gostava de barbies, mas acho que dava pra ter previsto que um dos meus grandes interesses na vida seriam roupas.

nessa loucura da barbie, comprava gibis de histórias em quadrinhos da boneca, e ávida leitora que sempre fui, devorava não apenas as histórias mas o resto da revista, como a sessão de cartas. uma vez li a pergunta de uma garota que estava saindo de uma escola na qual usava uniforme e ia pra uma onde poderia se vestir como quisesse, e queria dicas pra não parecer que estava repetindo muito. a resposta foi que pra conseguir uma boa diversidade de visuais, uma garota precisava de 3 calças e 7 camisetas, e tudo ficaria bem! imaginem a simplicidade da vida! isso sim é armário cápsula. comentei sobre isso com minha mãe e ela apontou pro meu guarda-roupa e disse "pois é, e olha a quantidade de roupas que você tem" (nessa época eu usava todo santo dia a mesma calça listrada saint tropez que minha mãe tinha trazido de uma viagem da europa e uma mini blusa soltinha laranja. todo dia. every single day. minha mãe escondeu a roupa por um tempo pra me forçar a usar outras, mas eu me sentia maravilhosa com aquela calça listrada e camiseta laranja).

quando, adulta, li sobre o armário cápsula, achei uma proposta interessante no cerne, mas impraticável pra mim.

claramente o problema não era a repetição de roupas. também não era a ideia de pensar melhor sobre como nos vestimos, nossas escolhas de consumo, nada disso.

a princípio me parecia que o que me incomodava era a restrição toda do negócio. eu preciso editar meu guarda-roupa pra no máximo 40 peças? da onde saiu esse número? por quê? eu preciso pensar com 3 meses de antecedências as cores e silhuetas que vão compor todas as minhas roupas? eu preciso esconder o resto das roupas? depois de 3 meses eu preciso trocar tudo, avaliar o que vai embora e fica, escolher as peças dos próximos 3 meses e comprar o que eu achar necessário após os trimestre anterior?

a sequência toda de passos me parecia absurda mas eu demorei pra entender por quê. agora eu sei:

1. a proposta do armário cápsula deveria ser de usar ao máximo todas as suas peças pra entender melhor como suas roupas e seu estilo funcionam e passar a "fazer compras" no seu próprio armário. mas o que eu estava vendo era o armário cápsula sendo usado como desculpa pra fazer compras a cada 3 meses, não necessariamente deixando o número de roupas menor, definitivamente não diminuindo o consumo nem economizando dinheiro, e a meu ver sem realmente aprender a usar as roupas que a gente já tem de todas as maneiras possíveis, explorar nossa criatividade, aprender a sair da zona de conforto. a zona de conforto, pra muitas de nós, são as compras. a sensação de tá faltando um item x essencial pro meu guarda-roupa funcionar ao máximo então a gente vai lá e compra. não tá faltando item x essencial nenhum. itens essenciais são as roupas, se você tem roupas você já está apto a viver em sociedade. a evolução está em não comprar, em achar itens essenciais no meio das roupas que a gente já possui, que a gente já escolheu, já comprou. renovar o armário a cada 3 meses não é repensar nossa relação com moda, é apenas maquiar a mesma relação tóxica.

2. me incomoda muito a ideia de esconder parte do seu guarda-roupa e se obrigar a usar apenas certas peças selecionadas. a seleção de peças limitadas pode, sim, ajudar a gente a compreender melhor as peças de roupa, exercer a habilidade de montar um armário prático, funcional, e que expresse quem nós somos, mas o esconder me parece ser ruim. roupas escondidas passam a ser esquecidas, roupas esquecidas fazem a gente comprar coisas repetidas, parecidas, duplicadas, que não realmente precisávamos. ou seja, voltamos pro consumo desnecessário que também é a consequência do item 1.

3. compartimentar nossas vidas e nossas roupas em estações específicas soa pra mim muito limitador. especialmente pra quem mora em são paulo (mas acredito que em outras regiões do país isso aconteça muito também), onde dá vontade de virar pras estações do ano e dizer miga, tomaqui um paracetaloka, é muito difícil selecionar um armário de poucas peças pra um tipo de clima definido por estação. simplesmente não dá. claro que nas mais ou menos 40 peças sempre dá pra incluir aquela roupa emergencial, afinal prevenir ainda é o melhor remédio, mas o que eu me pergunto é: por que eu limitaria meu guarda-roupa, cheio de peças que eu escolhi, nas quais investi dinheiro e que estão ocupando espaço na minha casa e na minha vida, a só algumas roupas? a verdade é que apesar de ver minha mãe durante muitos anos guardando as roupas de inverno e depois as de verão e depois as de inverno e depois..... eu não sou praticante desse hábito. e a maioria das minhas roupas é bem adaptável pra climas diferentes, e eu gosto de experimentar com as roupas, testar, ver o que dá e o que não dá, e pra isso eu quero poder usar todas as roupas que eu tenho. o meu armário já é uma cápsula, ele já passou por uma edição minha, já são coisas que eu selecionei. quero que ele seja inteiramente aproveitado em qualquer época do ano.

conclusão: armário cápsula, pra mim, acontece quando a gente pega um tempinho pra repensar nossas roupas e especialmente nossa relação com elas. a partir dessa reflexão, a gente separa, com cuidado, sem pressa, todas as roupas que temos por motivos quaisquer mas que não usamos. quando fiz isso, foi embora roupa que ganhei de presente e guardava por carinho, foi embora roupa que comprei em brechó e achava preciosa mas não conseguia usar, roupa tendência que eu achava linda mas simplesmente não combinava com meu estilo pessoal, sapatos que machucavam (sim, TODOS, não guardei nenhum, por mais lindos que fossem), roupas que incomodavam ou me deixavam desconfortável seja pelo caimento, cor, estampa. o que sobra, a gente vai usando, e aos poucos se livra de mais uma coisinha aqui, outra lá, até ter no armário somente roupas que nos valorizem, que caibam, que caiam bem e que façam sentido no nosso dia-a-dia. depois disso, é importante rever nossos hábitos de consumo - e de preferência diminuí-los, mas começar a tomar cuidado com a procedência e o processo de manufatura do que compramos já é um começo.

pra mim acabou funcionando assim: cortei meu número de peças de roupa quase pela metade (e sigo na subtração: essa semana desapeguei de mais algumas, entre elas a saia que usei na semana 3), decidi não consumir mais nada que não fosse necessário pelo menos durante esse ano (mas ao que tudo indica continuarei pelo ano que vem afora). enquanto esse ano passa, tenho questionado meus hábitos de compras (qualquer tipo de compras, não apenas roupas) e quero tentar ao máximo, de agora em diante, consumir produtos que tenham sido feitos de maneira sustentável, com o menor impacto possível no planeta, ou que sejam de segunda mão, e marcas que remuneram seus funcionários com salário decente e benefícios necessários.

isso tudo acaba influenciando muitas outras partes da nossa vida. tenho cada vez mais pensado no lixo que produzo e que gostaria de diminuir, nos meus hábitos alimentares, nos produtos de higiene e limpeza que uso, e espero aos poucos melhoras todos esses aspectos da minha vida.

no próximo post (provavelmente semana que vem) quero recomendar alguns blogs de pessoas que tem me ensinado bastante sobre sustentabilidade, repetir roupa e consumo consciente, pra que talvez mais gente aprenda com elas também! até lá (o:

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