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as coisas das quais eu abri mão até agora

ontem comecei a assistir aquele documentário no netflix, minimalism, pra ver se eu me inspirava pra escrever aqui. não vi o filme até o fim porque se eu for bem honesta achei meio chato mas também porque muito da mensagem que ele contém soa levemente repetitivo pra mim - tudo que eles dizem está em diversos textos pela internet afora, e achei a experiência e os relatos das pessoas do mundo da interwebs mais relacionáveis, mais interessantes e menos cheios de discursos prontos.

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mas o documentário pontua algumas questões interessantes e que deveriam ser discutidas mais a fundo (especialmente pelos tais dos minimalistas desse mundão), como as necessidades criadas pelas grandes corporações que fazem com que nós queiramos sempre mais coisas e coisas mais novas. nunca me esqueço de uns dois anos atrás, quando minha mãe, após viver uns belos 27 anos testemunhados por mim, e mais alguns tantos anos anteriores à minha existência, fazendo café normalmente com coador - e na minha casa na verdade o que rolava era nescafé mesmo - exclamou: "eu PRECISO de uma cafeteira nespresso, PRECISO PARA ONTEM".

quem precisa de uma cafeteira nespresso? ou dolce gusto ou qualquer outra que faça bebidas cafeinadas a partir de cápsulas? ninguém, gente. a gente passou muitos séculos da existência humana sem café em cápsulas e tava tudo bem, agora parece que só existe café em cápsula. parece que se eu tiver convidados em casa e oferecer um café feito no coador isso será uma ofensa. esse é o tipo de necessidade não-necessária que a gente passa a acreditar que precisa por força da mídia, da publicidade, da tv, do george clooney. acho que é mais importante discutir esse ruído, essa indústria da propaganda, as obsessões que criamos sem as quais estaríamos melhor, tudo pra que alguns homens que já são podres de ricos ganhem mais uns dólarzinhos. nenhuma das empresas te convencendo a comprar café de cápsula se importa com você. aquela incrível empresa de tecnologia que você tanto admira e que parece fazer porrinhas eletrônicas custom-made pra sua vida, bem aquilo que você tava precisando..... bom, na real você não tava precisando daquilo, e muito menos a incrível empresa de tecnologia tá preocupada com o que você precisa.

acredito que mais importante do que sair por aí contando anedotas sobre tudo que você não tem, é importante passarmos a identificar tudo que temos por puro bullying das coorporações e das propagandas. é importante identificarmos todo esse ruído nos convencendo a comprar coisas, é importante nos desligarmos desse ruído.

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embora eu esteja esse ano botando em prática o que a cait flanders chama de consumo minimalista, acho que em muitos sentidos meu movimento é menos relacionado a não ter coisas e mais relacionado a entender porque temos as coisas que temos e o quanto dessas coisas nos deixam satisfeitos. me incomoda essa ideia do apartamento vazio, do ter uma cama, uma cadeira, uma mesa e fim, acho que se orgulhar de ter um apartamento pelado foge bastante do que eu quero pra mim.

eu gosto de tapete no chão, de almofadas na cama, de artes nas paredes, de cores na minha casa e de sentir que meu canto é um lugar de conforto, alegria, despreocupação. não quero que minha casa seja apenas o lugar onde habito, quero que seja o meu lugar, quero me sentir abraçada e segura. uma casa com três móveis e nada nas paredes jamais teria esse papel, e embora eu entenda que exista gente que quer apenas funcionalidade e praticidade em seu lar, pra mim existe todo um valor pessoal em deixar minha casa com uma estética que seja minha. isso quer dizer, claro, que eu sempre vou ter uns quadros, umas almofadas, um ou outro objetinho de decoração, ou seja, sempre terei algumas quinquilharias. são as minhas quinquilharias, elas acrescentam algo humano à minha existência automática.

o que eu não quero mais ter são as quinquilharias que me foram enfiadas goela abaixo. não quero mais perder tempo com rituais que me foram ensinados como essenciais mas que na real não me acrescentam nada. não quero mais ter uma coleção de 200 livros que existe só pra eu exibir minha vida aculturada e intelectual pra supostos amigos. não quero mais ter 50 batons - aliás não quero ter nem os 7 que tenho e mal usei, mas batom usado não dá pra vender (pois ew) e eu não vou jogar fora pois eles estão praticamente inteiros. não quero mais ter bb cream, base, pó, blush, lápis, rímel, sombra, não quero mais ter secador de cabelo e chapinha, não quero mais ter uma coleção invejável de sapatos de salto alto que não uso afinal sou professora e trabalho de keds. não quero mais ter esmaltes, não quero tirar cutícula, não quero frequentar salões de beleza, não quero fazer tratamentos de pele, cabelo, unhas que só existem pra me convencer que eu estou feia e inadequada e preciso de tratamentos. não quero produtos de beleza, cremes pra cabelo, corretivo pra esconder olheiras, não quero rebocar meu rosto, não quero domar meu cabelo. não quero ter a pochete do momento, a meia arrastão do momento, e muito menos o maxi brinco de melancia do momento.

não quero ter propaganda no meu blog, não quero convencer ninguém a comprar nada (mas queria assim te ajudar a talvez não comprar tanta coisa), não quero roupas novas toda semana que vou usar por dois meses e enjoar, não quero frequentar shopping, não quero ter nem ver tv (nem aberta nem paga, me contento com netflix e pirataria da maravilhosa interwebs), não quero ler jornal nem ver noticiário.

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não quero mais usar lentes de contato, que sempre me incomodaram mas que eu senti por muitos anos que era o que eu precisava pra me achar bonita, confiante e aceitável. não quero mais gastar centenas e centenas de reais por ano comprando estojinho de lentes de contato, comprando soro pra lente de contato, comprando a própria lente de contato que é descartável e tem que ser reposta a cada 3 ou 6 meses. não quero mais sentir meus olhos secos e incômodos em prol de uma suposta auto-estima que eu nem tava realmente sentindo, não quero ter que chegar no fim do dia em casa e ter que passar pelo ritual chato, odiável, de tirar as lentes dos olhos.

não quero mais ter carro. ainda tenho porque a região onde moro é desprovida de transporte público, mas quero mudar isso em breve. não quero ser milionária, não quero ser rica, não quero trabalhar 8 horas por dia e odiar minha rotina.

não quero mais me medir e medir minha vida de acordo com o que acho que os outros querem, o que os outros vão pensar, o que os outros gostam.

o que eu quero: ganhar o suficiente pra me sustentar sem noites em claro por medo de não conseguir pagar tudo, quero trabalhar menos horas ou menos dias por semana, quero estar em um emprego no qual sinto que eu tenho valor assim como o que eu faço, quero ter tempo livre, quero ter menos preocupações e que elas sejam cada vez menos relacionadas a dinheiro. quero estar bem com quem eu sou, com como eu sou, com as roupas que visto e com a mensagem que transmito. quero ser cada vez mais consciente do meu impacto no planeta e agir de acordo com essa consciência cada vez mais. quero produzir menos lixo, quero comer melhor, quero dar menos dinheiro pras grandes corporações, quero que o uso do meu dinheiro também seja uma afirmação política e social, quero usar tudo o que ainda tenho em casa (batons e canetas especialmente) até o fim e depois descartar os restos da maneira mais adequada. quero ser cada vez mais educada e gentil com todos ao meu redor, especialmente gente prestando serviços pra mim nos dias em que eu estou de folga do trabalho - gente que me atende no fim de semana, depois do horário comercial, gente que põe gasolina no meu carro, gente que me vende pão, gente que passa minhas compras no caixa do supermercado, gente que abre portão de prédio pra mim, gente que me serve comida....

quero pensar cada vez mais nos meus privilégios, no privilégio que é prestar um serviço que não é visto como um serviço pelos clientes, afinal eu sou professora e meus clientes são alunos. e por mais desvalorizada que a profissão seja, eu ainda ganho mais do que muita gente, trabalho menos do que muita gente, e tive o privilégio e a oportunidade de estudar pra poder montar minha carreira. quero conseguir usar esse privilégio de uma maneira menos cega, menos automática, menos materialista e que seja um passinho pra todo mundo ter uma relação melhor - uns com os outros, e nós individualmente com a sociedade na qual estamos inseridos.

sabe aquela coisa antiga, quando elegância e status não se davam porque alguém tinha a coisa mais nova, ou a maior quantidade de coisas, mas sim porque alguém tinha a coisa de maior qualidade, a que duraria por mais tempo, a melhor - que nem sempre é a mesma coisa que a mais cara, lembremos disso. elegância era comprar com inteligência e pensar na durabilidade e na função do que a gente comprava. as coisas eram feitas pra durar porque era isso que nós, os consumidores, exigíamos. precisamos voltar a exigir isso, e a gente faz isso pensando melhor em como gastaremos nosso dinheiro.

mas para além de pensar na qualidade das coisas que compramos, para além de querer ter o melhor e o que vai durar, eu quero ser sempre o meu melhor, quero ser uma pessoa de qualidade cada vez maior, cada vez pensando não só em mim mas em todos os impactos e consequências do que eu faço, falo e compro. quero ser menos egocêntrica, mais compreensiva, mais aberta, menos preconceituosa e quero tentar pensar nos outros antes de mim.

essa é a mudança que eu quero, e se ela acontece ao mesmo tempo que minha relação com objetos, compras e desejos também muda, só tenho a agradecer.

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