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  • Foto do escritormelody erlea

notorious rbg: ruth bader ginsburg é símbolo político e pop



tem uma trope muito comum no cinema hollywoodiano atual que eu não consigo engolir. é a trope do "teste de bechdel". é aquele falso paralelismo entre filmes que a gente ama que eram protagonizados somente por homens e sua versão remake, em que simplesmente se substitui todos os homens por mulheres e pode-se declarar um problema como resolvido: a falta de mulheres em tempo de tela.


o teste de bechdel é usado pra testar o preconceito de gênero em obras cinematográficas, e basicamente pede pra que perguntemos: há duas ou mais mulheres no filme? elas tem nomes? elas conversam entre si, e não apenas com os personagens masculinos? os diálogos entre elas tem como assunto quaisquer tópicos que não sejam sobre um homem?


se você responder sim pra todas, significa que o filme tem, mais ou menos, bem discutivelmente, uma representatividade mais igualitária dos gêneros.


só que né, como todo tipo de feminismo e representatividade quantitativo, o teste é bem falho. se duvidou, pega esse trecho do 6º episódio da 4ª temporada de rick & morty (tem no netflix) e sente BEM a ironia:



porque a grande coisa é que essa cena realmente passa no teste. como rick diz no final (que tá cortado do vídeo acima): parabéns, uma obra-prima feminista.


a real é o que o teste de bechdel aponta apenas para o mínimo possível de agência por uma personagem feminina em uma história. usar esse teste como métrica pra qualificar narrativas é uma piada, e rick & morty mostra precisamente isso nessa cena.


(atualmente a gente tem o "teste do clitóris" que serve pra gente qualificar um filme como representando de maneira verossímel o orgasmo feminino - que normalmente em filmes acontece após tipo 30 segundos de penetração, mas acho que isso é uma escolha mais prática do que qualquer outra coisa, considerando que as cenas de sexo só servem pra gente saber que os personagens fizeram sexo. e falando primariamente de comédias românticas, onde todos os elementos de um relacionamento são retratados de maneira estereotipada, fantasiosa e até idiota, que o sexo incomode mais que todo o resto é uma grande incógnita pra mim. muito pior que o sexo fake, são as soluções narrativas imbecis encontradas pra fazer uma mulher se apaixonar por um cara. MAS de qualquer jeito, agora existem na interwebs listas de filmes e séries que passaram no clit test e nos lembram que o orgasmo feminino é alcançado, mais frequentemente que não, por vários jeitos que não a penetração. honestamente não sei como 10 segundos de bagunça volumosa embaixo do cobertor sinalizando sexo oral é melhor do que 30 segundos de cena de penetração enquanto a mulher usa sutiã, é tudo inverossímel e completamente em desacordo com como sexo funciona na vida real. e se a gente parar pra pensar que muitas das experiências sexuais femininas são precisamente de pentração por alguns minutos e orgasmo fingido, no fim as comédias românticas são até bem verossímeis?)


de qualquer jeito, foi esse episódio de rick & morty que me fez voltar a apreciar a genialidade dessa série. os fãs do tipo hardcore me fizeram perder o tesão, mas não há como um desenho animado me trazer como personagem "aquela moça da corte suprema" pra representar a EPÍTOME da persona e da obra audiovisual feminista sem me conquistar pra todo sempre (adiciona-se isso ao fato do episódio ser uma leve paródia de infinity train, um desenho que eu amo demais).


a moça da corte suprema é ninguém mais ninguém menos do que a juíza ruth bader ginsburg, ou já transformada em símbolo pop NOTORIOUS RBG, que faleceu ontem, 18 de setembro, após complicações causadas por um câncer.


a alcunha foi criada por shana knizhnik, uma estudante de direito que tinha um blog sobre a juíza, chamado notorious rbg - que depois virou um livro. o blog viralizou, numa época em que a maioria das pessoas dissidia das ideias de ginsburg, e serviu como um registro millennial das ações de uma mulher que está na política desde o início da sua carreira, tendo sempre se posicionado em favor da presença de mulheres na política e como crítica ferrenha da desigualdade de gênero - temas que a fizeram virar um símbolo pop político para uma população norte-americana muito mais jovem do que ela.


a única mulher em sua posição por muitos anos, ruth comenta sobre a estranheza de ser a pequena figura feminina na suprema corte, até barack obama apontar sonia sotomayor, em 2009, como sua colega. foi também o país pós-obama que a transformou no que hoje conhecemos, a mulher com seu colarinho de renda sobre o manto judicial - com seus óculos oversized (quase uma íris apfel), eternizada numa ilustração andy-warholnesca com a coroa dourada algulada na cabeça, tal qual BIG, tão merecedora do título e do pedestal pop quanto ele.


imagina, gente, uma juíza e um rapper, no mesmo nível de importância cultural, política.... esse é o mundo que eu quero. um mundo em que festas à fantasia e halloweens sejam uma oportunidade pra gente se vestir de gente foda, sejam eles ídolos da música ou políticos que fizeram a diferença.



um mundo em que minha série de comédia favorita - criada, escrita, dirigida e protagonizada por duas mulheres, pega essa, bechdel test - nos lembre que é ok nos fantasiar de gatinha-stripper no halloween, mas que é ainda mais legal se fantasiar de gente que a gente acha foda. e que poucas pessoas são mais fodas do que mulheres que se transformam em algo maior do que política, maior do que cultura pop, e se estabelecem no ponto exato onde tudo se converge pra nos dizer:


tudo é política.


da mulher sentada na suprema corte ao desenho animado satirizando trope falsamente feminista. do programa de tv que a gente assiste á núsica que a gente escuta ao blog que a gente lê.


e nós só nos tornamos cidadãos completos quando enxergamos toda pequena ação como fundamentalmente política.


e que não tem teste de bechdel nenhum que substitua ação e posicionamento real.


agora vou ali assistir meu desenho animado de maneira política, dá licença, viu.

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