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  • Foto do escritormelody erlea

ursinhos de pelúcia para a criança fashionista que vive em você



nem acredito que a semana de moda de paris, rolando esses dias, foi o pontapé pra eu voltar a querer escrever sobre moda - mais do que isso, pra eu querer escrever sobre moda 💀do momento💀, daquele tipo do qual todo mundo que escreve sobre moda tá escrevendo ao mesmo tempo, até saturar nosso cérebro de tanto post repetido.


mas cá estou eu, contribuindo pro buzz instagramístico 😅 mas a real é que falar sobre jean-charles de castelbajac tava na minha lista de ideias pra post há tempoooossss - a semana de moda só me ajudou a despertar o brilho da inspiração.


e, veja bem, nem sequer houve desfile do castelbajac nessa semana de moda parisiense. o último desfile dele - pruma coleção pret-a-porter, não de alta costura - foi em 2015. mas a arte e a visão de castelbajac tavam lá, presentes na passarela, hoje mesmo em paris, numa parceria do estilista com a grife suiça vetements, na forma de um casaco de ursinhos de pelúcia.


não sei vocês, mas a melzinha criança poderia ser capaz de mutilar uma barbie em troca de um casaco de ursinhos de pelúcia (a melzinha adulta também). muito triste que na minha família não tínhamos como adquirir itens haute couture de semanas de moda européias, porque foi em 1988-89, quando euzinha tinha 1 pra 2 anos e portanto era o público alvo ideal para tamanha façanha fashion, que castelbajac desfilou suas coleção cheia de roupas-de-bicho-de-pelúcia.



essa coleção deu tanto o que falar que segue dando o que falar até hoje (literalmente até hoje, já que o casaco de ursinhos da vetementes foi desfilado hoje e já tá na boca dos grandes bocudos de moda dessa interwebs). na época foi um bafafá - eram o fim dos anos 80, maximalismo já tinha virado praticamente lugar comum, mas pouquíssimos estilistas tinham coragem de desfilar coleções que, digamos assim, não se levavam tão à sério. eram poucos os que usavam as passarelas não para lacrar e voguear, mas para divertir e desanuviar. e, não preciso nem dizer, ninguém jamais tinha desfilado ursinhos de pelúcia numa semana de moda (a bem da verdade, moschino desfilou um chapéu de ursinhos e um blazer com lapela de ursinhos no mesmo ano, na semana de moda da itália. visionários, os dois).


moschino 1988

de lá pra cá apareceram várias marcas e estilistas que trazem esse toque pop e colorido para as passarelas, e váriosssss ursinhos de pelúcia de todas as cores e tamanhos. mas castelbajac foi o primeiro, e olhar pra essas coleções de bichinho dele é ser sempre lembrada do poder da moda de nos ajudar a escapar da realidade e viver vidas diferentes e absurdas (mesmo que seja só na tela do celular ou na página da revista; a experiência é tipo ver um filme: a gente se deixa levar pela suspensão da descrença, a gente acredita naquilo e se enxerga naquilo, mesmo que logicamente saibamos ser impossível realmente pertencer àquilo).


considerado por alguns a resposta francesa à vivienne westwood, castelbajac deve à estilista inglesa e seu parceiro na época, malcom mclaren, muito da influência para suas coleções divertidas e extravagantes: sua guinada fashion para o absurdo aconteceu depois que conheceu o casal, em 1972 numa viagem a londres em que ele inadvertidamente entrou na live fast die young, uma loja de moda alternativa na carnaby street dentro da qual encontrou westwood e mclaren costurando ossos de galinha em camisetas. alguns dias depois ele foi apresentado ao rapazes do new york dolls, de maquiagem e plataforma, e voltou para a frança decidido a trocar suas paletas de neutros elegantes pelo fuzuê sensorial criado por cores, texturas e volumes.


nos anos 70 ele vestiu farrah fawcet e suas companheiras no seriado charlie's angels (as panteras), e nos anos 80 divertiu o mundo fashion com suas criações maluquinhas. a coleção icônica de ursinhos de pelúcia foi reinterpretada e reprisada em uma ou outra coleção posterior do designer - inclusive numa versão muppets, coleção de 2009, com uma jqueta inteira feita de sapos caco usada pela lady gaga.


nos anos 90, fora uma aparição no filme pret-a-porter de 1994 (vestindo ninguém mais ninguém menos que madonna, numa imagem que é impossível de achar na internet e eu infelizmente não tive tempo de baixar o filme pra tentar printar e mostrar aqui), seus casacos de ursinho perderam o momentum - a década de 90 opunha a de 80 em questão de exageros e cores, e o estilo calça-jeans-camiseta-preta nçao dava muita vazão a esse tipo de expressão lúdica da moda. mas desde o início dos anos 2010, graças ao fenômeno lady gaga, o mundo pop voltou a abraçar a hipérbole fashion. nos últimos 15 anos castelbajac já vestiu beyoncé, katy perry, m.i.a., rihanna, drake... e ao longo de sua carreira ele trabalhou com basquiat, andy warhol, keith haring (de quem adquiriu o hábito de desenhar com giz pelos muros de paris) e ajudou a explicitar a conexão da alta moda com a arte de rua.



mas assim, sem ser as roupas de ursinho, um dos momentos mais icônicos e inesquecíveis de castelbajac não é ter vestido a madonna, nem a lady gaga, nem ter sido amigo do keith haring. seu momento digno de reprises eternas no mundo fashion virtual, um momento na verdade esquecido pelas vozes das muódas desde que aconteceu, em 1997, foi quando jean-charles castelbajac vestiu


[PAUSA DRAMÁTICA]


o papa joão paulo II! ao lado de 5 mil padres e quinhetos bispos... com vestes litúrgicas estampadas com o arco íris.


sim, o estilista francês desvairado, o doido dos bicho de pelúcia, trajou milhares de padres com a bandeira lgbt.



tá bom que o arco íris é um símbolo de muitas coisas, não apenas da (como se dizia nos anos 90) *comunidade gls*, mas que é uma visão no mínimo curiosa, ah isso é. ainda mais se a gente pensar que o papa joão paulo II foi um dos menos fashionistas da história da igreja católica - uma instituição que sempre prezou o trabalho artesanal, a riqueza de detalhes, as cores e o brilho em seu figurino. ou seja, se tinha algo rebuscado eram as roupas de papas, bispos e padres. essa tradição do vestir requintado e cheio de significados foi temporariamente pausado por joão paulo II, que preferia um visual mais simples, mais acessível, mais modesto.


foi esse cara aí, autoridade católica anti fashionista, que permitiu arco íris pra todos os lados no dia mundial da juventude, evento religioso que ele mesmo havia criado uma década antes.



a escolha do arco íris para as vestes litúrgicas do evento vieram não da cultura queer, mas da história da arca de nóe; quando deus diz a noé que se ele avistar um arco íris no céu, signifca que há paz entre as pessoas.


mas o estilista não correu nenhum risco: ao entregar as vestes, avisou o bispo que o recebeu que o arco íris era a bandeira lgbt. o bispo recebeu a notícia com nenhum choque e respondeu "ninguém tem direitos autorais sobre o arco íris".


depois de tudo, o papa ainda se pronunciou, afirmando (ou pelo menos é o que dizem) que essa tinha sido a melhor estampa que ele vestiu para um evento da igreja católica.


o papa é não é pop: o papa é fashion.

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