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  • Foto do escritormelody erlea

sobre (fingir) ser cool

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ontem no metrô passou por mim uma moça cool. como eu sei que ela era cool? porque as roupas que ela tava vestindo eram evidência clara. já eu, que desde a adolescência me visto pra parecer mais cool do que sou (spoiler: sou zero cool), vi aquela moça no metrô e imediatamente acinzentei por dentro. eu tava vestindo uma das minhas saias preferidas (a plissada azul que usei aqui na semana 21) e uma blusa de 1977 que pertenceu à mãe da minha amiga mari e está temporariamente emprestada pra mim.

vejam bem, não quero desmerecer minha saia nem a blusa vintage - nem o casaco de veludo que vesti por cima quando esfriou - mas acontece que minha roupa não tava cool. eu tava trabalhada nos tons de azul, então minha roupa tinha uma coordenação cromática agradável. eu tava usando texturas diferentes e estampa em uma das peças, então a roupa tinha interesse visual. a roupa tinha proporções certas pro meu tipo de corpo, o que causou aquela ilusão de ótica que a gente ama de cintura no lugar, pernas alongadas e tronco proporcional. pohan, gemt, só o fato de uma das minhas peças de roupa ser de 1977 já é incrível mesmo se todo o resto estivesse errado.

PORÉM eu não estava cool. elegante? possivelmente. estilosa? sem dúvidas. ciente do meu corpo e de como vesti-lo? acredito que sim. mas obviamente eu não tava cool. a blusa vintage, com corte dos anos 70 (manga sino, um quê de yves saint laurent, uma certa inspiração na bata hippie), tinha essa pegada boho-chic que não é mais cool há pelo menos uns 4 anos, acho eu - o cool agora é se vestir com a pegada urbana: as calças curtas da moda, tênis esportivos (preferencialmente brancos), jaqueta estilo bomber ou reminiscente dos windbreakers coloridos dos anos 90. esse é o uniforme cool, quase uma mistura da moda fresh prince of bel air com o normcore de uns anos atrás. (a não ser que você seja uma garota-farm, aí tá permitido o look estudante de humanas superfaturado e as fotos no instagram com bastante saturação e contraste).

a minha roupa estava somente isso: correta. e dá pra notar bem a diferença de uma roupa correta e uma roupa cool. stacy london: se veste corretamente. leandra medine: se veste de maneira cool. oficina de estilo: roupa correta. regina guerreiro: roupa cool. taylor swift: roupa correta. rihanna: roupa cool. etc etc etc.

e o que isso quer dizer? na verdade meio que não quer dizer nada. talvez queira dizer que existem várias maneiras de se vestir bem, mas até o se vestir bem é tão subjetivo que eu não teria muito mais espaço de manobra pra continuar esse texto (mas agora pensando bem dizer que roupa cool e roupa correta não quer dizer nada também não é lá o jeito mais inteligente de tentar escrever algo com começo, meio e fim).

mas é assim: eu nunca fui cool mas logo aprendi que dava pra fingir que eu era usando as roupas certas. assim como dá pra fingir elegância, riqueza, profissionalismo, inteligência estética, e tudo o mais. eu sempre quis fingir ser cool, como dita a cartilha man repeller, porque a aparência de ser cool fazia eu me sentir bem. fazia eu me sentir menos feia, menos baixinha, menos completamente comum. parecer cool fazia minha auto-estima aumentar, e a minha boa auto-estima me fazia mais engraçada, menos tímida, mais segura e, consequentemente, cool.

a lição aqui é: fake it 'til you make it.

fingir ser cool acabou fazendo com eu fosse realmente cool. assim como fingir elegância acaba te deixando elegante (não tenho certeza se a lógica funciona pro fingir riqueza, mas se alguém por aí tentou e teve sucesso, legal compartilhar com a gente os pormenores).

usar roupas pra fingir coisas é ótimo. dá pra fingir ter a cintura mais fina, as pernas mais longas, os ombros menos largos, o quadril menor, o pescoço mais comprido - que é o que normalmente fazemos na consultoria de estilo: analisamos o corpo da cliente e a ensinamos truques de ilusão de ótica pra disfarçar o que ela não gosta e destacar o que ela gosta. e de vez em quando só isso já transforma a auto-estima de uma mulher, entender seu próprio corpo e como usar proporções, cortes e silhuetas da melhor maneira.

mas às vezes não é sobre olhar pro seu corpo e vesti-lo com as proporções apropriadas. vocês me desculpem mas se me enfiassem no esquadrão da moda e eu saísse de lá vestida como todas as participantes sempre saíam - seguindo todo aquele conjunto de regrinhas da moda que a gloria kalil republica anualmente sob o epíteto de "chic" - era capaz de me tacar na frente do primeiro metrô novaiorquinho apenas pra não ter que lidar com usar aquelas roupas - afinal sou da velha escola joan rivers: melhor um crime contra si mesmo do que um crime fashion. e se eu não vou parecer cool, é melhor que eu não pareça nada - ou talvez que eu pareça um atraso de algumas horas pra muitos novaiorquinos ocupados e apressados que vão ter que esperar meus restos serem propriamente retirados dos trilhos pra que todos possam continuar suas jornadas (mas tudo bem porque todo mundo já tava estressado e atrasado antes sequer da minha tragédia acontecer - e por tragédia quero dizer minha participação no esquadrão da moda, não minha morte).

talvez eu tenha divagado ligeiramente, mas a questão é que auto-estima é um treco curioso e único. e às vezes podemos seguir todos os conceitos da consultoria de estilo pra criar interesse na roupa, como eu havia feito - texturas, estampa, diferentes tons da mesma cor, mistura de tecidos - mas ainda assim nos olhamos no espelho e não sentimos aquele rush de auto-confiança que esperávamos. acredito que o papel da consultoria de moda é esse: transformar a auto-estima das clientes. às vezes o que a gente precisa não é de roupas novas, nem "aprender a se vestir corretamente", nem saber a nossa cartela de cores - às vezes o que a gente precisa é só se olhar no espelho e enxergar potenciais. e roupa ajuda? ô se ajuda.

eu já sabia desde os 25 anos que eu estava ficando mais cool conforme eu envelhecia, mas é só agora, às vésperas dos meus 30, que eu me sinto uma mulher com o que posso chamar de boa auto-estima. e quando eu digo boa auto-estima quero dizer aquela auto-estima que não me abandona quando vejo uma moça cool no metrô em um momento em que eu estou tão claramente não-cool. é só agora que eu consegui desvencilhar o ser cool do ser confiante.

a questão é que a maneira como nos vestimos, nossas escolhas de estilo, nossa relação com o vestir, tudo isso é uma meditação inconsciente sobre quem nós somos. o que os outros vão enxergar quando olharem pra mim? o que estamos dizendo, que parte nossa está em destaque quando o olhar do outro nos examina? quando nós não temos certeza dessas respostas, o que nos basta é manipular nossa imagem pra que ela dê as respostas que queremos. pra que o outro enxergue o que escolhemos expor.

mas quando conseguimos nos libertar desse olhar externo, quando nos importamos menos com a mensagem que os outros vão receber, quando somos capazes de descartar a aprovação ou desaprovação alheia pra construir nossa imagem, é aí que a gente encontra nossa auto-estima.

ontem, quando aquela moça cool passou por mim com seu macacão pantacourt, seu windbreaker vermelho, seus tênis brancos e seus cabelos urbanamente cacheados, eu não pensei que queria ter aquelas roupas, nem que queria andar pelas esteiras do metrô com aquela segurança de quem não tem medo de ocupar espaço demais. eu pensei "que moça cool", e segui minha vida, com meu visu elegante-urbano e meu cabelo que já ultrapassou a necessidade de um corte há uns bons meses. pensei também que aquela moça cool parecia bastante com muitas moças cool que sigo no instagram, e que curiosamente eu não quero ser nenhuma delas nem me vestir como nenhuma delas.

eu fiquei momentaneamente chateada de não ser cool, mas imediatamente satisfeita pelo exato mesmo motivo.

eu não sou cool nem preciso ser. eu sou assim, e tá tudo bem com ser assim. e isso, gente, é resultado de um monólogo interno de quase 3 décadas, que passou do masoquismo de me odiar por completo pra satisfação de me enxergar por completo.

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