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  • Foto do escritormelody erlea

de erê a moschino: a infância nas roupas


eu não sou uma pessoa muito religiosa ou espiritual. não sou ligada em religião, sejam elas quais forem. aprecio as mitologias tanto quanto aprecio a mitologia de steven universe, de adventure time, sailor moon, cavaleiros do zodíaco: é lindo o que a imaginação humana cria. o poder de uma boa narrativa, aliada a uma boa simbologia visual - rituais, vestimentas e dresscodes, imagens, cores, objetos, ídolos, estátuas.... pô cara, é por isso que harry potter fez tanto sucesso. a força da narrativa e da criação de histórias é uma coisa louca e linda.


já os significados espirituais que as pessoas atrelam a histórias e coisas.... aí já sou meio disléxica, não entendo. por isso foi difícil, pra mim, absorver tudo de uma aula recente que tive, no curso de figurino, moda e trajes de performance que estou fazendo na usp, sobre os trajes no candomblé e na umbanda. é uma genealogia de seres, hierarquias e significados imeeeeensa e foi muita coisa em menos de duas horas. mas aprendi muito e as roupas, vish, tão lindas.


mas a real é que é uma mitologia linda, complexa, e, pelo que vi, muito focada em resgatar tradições, estéticas e significados do negro pré-colonização. acho lindo esse caminho por alcançar uma cultura religiosa desatrelada, o máximo possível, da cultura cristã-judaica prevalecente (capaz de colocar suas mãozinhas até nas festividades mais regionais e antigas).


estávamos eu e crush sentados no sofá assistindo à aula (afinal, estamos em quarentena e tudo acontece aqui na sala da minha casa) e quando a palestrante começou a falar sobre erês (que são guias, intermediários entre a pessoa e o orixá) e os trajes que costumam usar, crush virou pra mim e disse animado "olha! você tem uma erê!"



não posso dizer que entendi a religião profundamente o suficiente pra saber se as pessoas simplesmente "tem" erês e outros seres dentro de si. mas, sei lá, pra jesus todo mundo tem alma, independente de acreditar em deus, né? então talvez a ideia proceda. e, pohan, se for pra ter uma entidade secreta que às vezes fala por mim (e pelas minha roupas), que seja um erê!


são entidades que representam o espírito infantil, e se expressam esteticamente nas pessoas em quem se incorporam através de roupas com motivos infantis, e acessórios que incluem brinquedos, chupetas e outras coisas do imaginário da criança.



e não é que alguns trajes de erês são estampados, ora essa, com personagens de desenho? não desenhos de roupa infantil e estampa fofas: eu tô falando de disney. uma entidade espiritual que usa roupa do mario bros, cês tão entendendo? passo em média 90% do meu tempo livre assistindo desenho animado, e me visto, mais do que seria apropriado pruma mulher de 32 anos, com roupa e acessórios desses mesmos desenhos animados. existem grandes chances de um erê viver em mim.


eu achei maravilhoso e, ao mesmo tempo, curioso: uma religião com tanta atenção ao detalhe, em que cada elemento, tecido, cor, estampa e acessório tem significado e remonta a tradições africanas e crenças muito bem amarradas, aí de repente aparece um vestido da minnie.


é interessante, porque por mais que o erê faça referência à cultura da criança, essas são estampas MUITO reconhecíveis. elas carregam, já, MUITOS significados: do poder capitalista, da indústria de entretenimento, das garras gigantes da cultura americana, o monopólio da disney na criação cultural das crianças.... ideias completamente afastadas da espiritualidade e do sagrado, símbolos tão carregados de comercialidade. não é louco? que tudo isso seja descartado, momentaneamente, pra deixar passar somente e apenas o significado atrelado à inocência e curiosidade da criança?


tentei procurar mais informações sobre esse tipo de estampa nos trajes de erê mas falhei em encontrar. se alguém por aí souber, me manda! encontrei essas à venda:



essa caracterização de vestuário do erê me fez pensar, também, no começo dos anos 2000 e da febre da moda harajuku, fotografada e catalogada por shoichi aoki no livro FRUiTS, pelo qual eu fui merecidamente obcecada na adolescência. foi uma das primeiras vezes que vi expressão real e original de jovens através da moda, uma coletânea de referências penduradas no corpo, ausência total de medo de se expressar. e, cês vão lembrar, tinha chupeta, brinquedo pendurado, estampas de personagem, todos esses elementos do universo da criança. é possível que uma geração inteira de jovens de harajuku tenha erês precisando se expressar?



de qualquer maneira, são duas culturas distantes expressando um tipo de insatisfação com o status quo - do adulto, da sisudez, da norma, do que é considerado apropriado. trazer o espírito e a criatividade da criança para ambientes adultos - isso é meio que uma pequena revolução, né? eu me sinto assim usando meu body dos rugrats.



a verdade é que o universo infantil na moda não é novidade nem restrito a grupos culturais fora do mainstream: pensa na disney e em quanto adulto com moletom do mickey cê já não viu na vida.


a moschino é famosa por fazer coleções literalmente inspiradas por obras pop, inclusive desenho animado e brinquedo (lembra aquela coleção inteirinha dedicada à barbie?), a bitsch kitsch london usa brinquedos pra produzir seus acessórios, a super popular marca norte-americana dos anos 90 lisa frank ladrilhou sua fama com sua estética infantil, e até lady gaga já deixou sua criança interior falar através de suas roupas.



e ó a nina hagen trazendo o universo infantil pro punk - outra subcultura que visava subverter o status quo do pensamento maisntream, assim como relgiões como umbanda e os jovens fashion de harajuku. manter a criança interiror viva é uma ferramenta de revolução também, viu?



sem contar as várias influencers deixam sua criança interior fluir em seu guarda-roupa através de cores e estampas. aqui no brasil temos a magá moura e a maira medeiros todas trabalhadas nos acessórios de brinquedo e nas roupas e cabelos multicoloridos, e na gringa a amina mucciolo também ficou conhecida pela estética arco-íris. nova styles aposta numa mistura desse estilo infantil com uma coisa mais urbana e mais fashionista, e eu apenas queria a coleção inteirinha de bolsas dela.



eu amo como nova styles usa sua lancheira vintage da minnie, e queria uma pra mim. a dela é da rita lane vintage, um brechó especializado em itens vintage da disney. eles tão sem a lancheira no momento, mas dei uma olhada no ebay e elas tão custando entre 400 e 3 mil reais. vou precisar economizar muita mesada.


bateu aquele leve arrependimento de lá em 1994 não ter insistido um pouco mais pra minha mãe comprar aquela lancheira cara em forma de cabeça. pohan, teria sido uma decisão mais acertada do que investir na bolsa de valores.


cês lembram que tinha a versão da mônica aqui no brasil? não achei nenhuminha dessas pra vender usada na internet, super raridade. agora, claro, tudo que eu mais quero na vida é uma lancheira vintage dos anos 90 em forma de cabeça da mônica.


a segunda coisa que eu mais quero na vida é esse colarzão dos simpsons (juro que cheguei a procurar no enjoei pelos bonequinhos pra comprar e fazer. e achei. ainda não me convenci a comprar)



(imagina se erê fosse que nem papai noel e já baixasse trazendo tudo as lancheira e os brinquedo que a gente quer?)



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