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  • Foto do escritormelody erlea

pepe: a cultura de segunda mão do haiti

“o haiti virou uma lata de lixo para tudo que os americanos não querem mais”, é o que pensa ketcia pierre-louis, empreendedora haitiana. ela se refere ao comércio de roupas o objetos usados que move a economia do país desde a década de 1960, quando o presidente americano kennedy fez um acordo com o governo do haiti para o envio de roupas usadas, supostamente para auxiliar o país.


apelidadas de “kennedy” na época, de lá pra cá o fluxo dessas roupas - e também brinquedos, eletrodomésticos e até carros e caminhões de segunda mão - aumentou exponencialmente, principalmente após o mega terremoto que ocorreu em porto príncipe, capital do país, em 2010. toneladas de roupas usadas, a maioria descarte da indústria de fast fashion, chegam à ilha diariamente, e o comércio de roupas usadas é um dos que mais movimentam dinheiro nas mãos dos haitianos.


o mercado de segunda-mão, popularizado como “pepe”, do idioma creole, se tornou parte da cultura de moda da população haitiana, profundamente presente na construção cultural e estética do país. pepe dá um ofício e um trabalho a muita gente, explora a liberdade criativa do vestir, além de permitir acesso a roupas de marca, cobiçadas numa sociedade que tem um tradicional histórico de cuidado e atenção com estilo pessoal.


antes de ser saturado por quantidades obscenas de itens de fast fashion - de pouca qualidade e frequentemente danificados - o pepe complementava a importante indústria local têxtil e de moda, numa época em que alfaiates e costureiras ainda tinham espaço, preços competitivos e matéria-prima local disponível.


com o aumento das peças enviadas dos estados unidos, e a queda dos preços devido à baixa qualidade, a cultura local de alfaiates, sapateiros e artesãos quase não sobrevive, tão pouco a produção de tecidos, e todos acabam usando as roupas descartadas dos americanos, que tem uma vida útil curta e são rapidamente substituídas.


a cadeia dessa indústria de segunda-mão é complexa - muitas dessas roupas são produzidas em oficinas clandestinas no próprio haiti, comercializadas nos estados unidos, compradas, depois doadas ou vendidas a grandes lojas de segunda-mão que repassam o excesso a imigrantes haitianos nos estados unidos - que por sua vez as revendem devolta ao haiti, para alimentar o mercado de usados lá antes de serem descartadas de vez.



os fotógrafos paolo woods e ben depp registraram o efeito estético desse ciclo fashion que começa e termina no haiti, em fotografias de camisetas gráficas, promocionais e estampadas com frases e trocadilhos tipicamente norte-americanas, usadas num contexto distante e descolado da realidade americana, numa irônica narrativa das relações de moda e mercado entre os dois países. o resultado vocês podem ver na galeria! e o documentário secondhand pepe, de 2007, traz uma perspectiva histórica e poética, traçando um paralelo das comunidades judaicas nas américas ao pepe no haiti:



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